Território e tradição identificam os produtos premium da Puglia

Sabores Puglieses que todos deveriam provar ao menos uma vez na vida

Já falamos dos pratos típicos da Puglia no post anterior. É uma lista enxuta com as preparações mais emblemáticas da Província, mas é claro que o taco da bota tem muito mais. Quem leu o relato do nosso almoço de Natal em companhia de uma família pugliese já sabe que as delícias desta terra não param por aí.

E a explicação para tanto sabor está no próprio território. É na Puglia que nascem alguns dos produtos mais prestigiados da Itália, reconhecidos por múltiplos fatores além da qualidade.

Queijos: tradição e inovação

Foi na Puglia que provamos, por exemplo, queijos frescos e maturados absurdamente saborosos, com o Caciocavallo, a Mozzarella e a Burrata: já falamos desses queijos aqui e aqui, mas vale a pena repetir, porque eles são de uma qualidade ímpar! O diferencial dos queijos artesanais que provamos na Puglia está na matéria-prima. A forma como são criados os animais de raças especiais de bovinos e caprinos resultam na qualidade superior do leite e, por via de consequência, resultam num queijo sem comparações.

produtos da Puglia
Caciocavallo Podólico de Giuseppe Bramante

Se estiver passeando pelo sul da Itália, faça um favor a si mesmo e se dê de presente um queijo artesanal feito em um pequeno caseifício da Puglia. Você nunca mais esquecerá do sabor!

Tomates Fiaschetto: sabor da fruta como antigamente

Ainda no rol de produtos típicos da Puglia, que pode tanto ser consumido de per si quanto em receitas, está o Tomate Fiaschetto de Torre Guaceto. O nome é complicado, mas o sabor é maravilhoso. Essa variedade dá um fruto doce e suculento de tamanho médio, um pouco maior que um tomate cereja que estamos acostumados a ver no Brasil. Ele é cultivado de forma orgânica na reserva de Torre Guaceto, um território com um ecossistema rico e protegido, vizinho ao mar Adriático.

Mas o fiaschetto não é só um tomate gostoso de nome engraçado. Seu cultivo faz parte da tradição daquele território, sendo ligado a um aspecto social tanto quanto religioso. As famílias costumavam se reunir para colher a fruta de dia e preparar o molho de pomodoro à noite, quando a temperatura já era mais amena. A semeadura era feita no Dia de São José, em 19 de março e a colheita acontecia sempre em 24 de junho, dia de São João.

“Com o passar do tempo, entretanto, apesar da qualidade, o tomate fiaschetto corria o risco de desaparecer“, nos explicou Mario di Latte, sócio proprietário da Azienda Agricola Calemone. Segundo ele, cultivar o fiaschetto é muito mais custoso em comparação com os tipos híbridos super produtivos. A colheita do fiaschetto é escassa. Em compensação, essas últimas requerem muito mais água, fertilizantes e tratamentos para sobreviverem do que a espécie adaptada ao território há décadas.

Graças ao esforço de alguns agricultores e entidades como o movimento Slow Food, o cultivo do tomate foi retomado. A qualidade do produto de origem orgânica ganhou rapidamente o mercado nacional e internacional e, hoje, a marca “tomate fiaschetto de Torre Guaceto” é sinônimo de excelência. A preocupação dessas entidades, agora, é proteger a marca. A tutela é fundamental para evitar que todo o trabalho de recuperação desse cultivo não sofra com a concorrência desleal de produtos de qualidade inferior vindos de países com cargas tributárias menores e leis trabalhistas bem mais flexíveis, explicou-nos Mario.

De fato, as embalagens de molhos e concentrados de tomate sempre fazem referência à Itália, às cores da bandeira italiana e ao final, o consumidor é induzido a pensar que o tomate foi cultivado na Itália, quando na verdade veio da Ásia. Devemos estar atentos!

Infelizmente não conseguimos ver os tomates no pé. Culpa do mal tempo, das chuvas constantes e do inverno que acabou se prolongando. Com a mudança climática global, a colheita dos tomates no dia de São João passou a ser apenas história para contar.

fiaschetto di Torre Guaceto
Mario di Latte: à espera do fiaschetto
tomate italiano
Final de maio: apenas iniciando a floração

Por outro lado, tivemos o privilégio de prová-los na versão semi-seco transformados pela Azienda Agricola Colomè. Segundo nos contou Mario, o diferencial desse produto está na secagem, feita em meia etapa, a baixa temperatura por cerca de 14 -18 horas, deixando o tomate ainda carnudo, com mordida. O sabor fica muito doce, com um retrogosto ácido. Difícil explicar sem encher a boca de água!

De acordo com o nosso paladar, outro detalhe importante faz desse tomate semi seco um produto superior. Depois de secos, os tomates biológicos são imersos em azeite de oliva extravirgem de oliveiras centenárias, e até milenárias, também da reserva. Além disso, nenhum tipo de conservante é acrescido e todos esses fatores somados acabam transformando a matéria-prima excelente em um produto de sabor excepcional.

O tomate fiaschetto de Torre Guaceto tornou-se Presidium Slow Food em 2008.
tomate seco italiano
Molho de tomate e e tomate seco com fiaschetto orgânico: da Itália para o mundo
produtos da Puglia
O tomate fiaschetto semi-doce virou creme para acompanhar o tortelli de tripas no Restaurante de Ozkar Messner, no Alto Ádige.

Charcutaria Complexa: lenta maturação, imersão em vinho “cotto” e defumação

É também na Puglia que se encontra um dos maiores tesouros da charcutaria italiana: o espetacular Capocollo de Martina Franca!

Falamos grego? Vamos por partes:

Capocollo é um corte suíno, precisamente na região do pescoço, entre a cabeça e o lombo. Por toda Itália, o embutido feito com essa parte do porco ganha nomes diferentes. É a Coppa no Norte da Itália (e também no Brasil), a Scamerita na Toscana ou a Lonza, na Itália Central.

capocollo
Capocollo de Martina Franca finamente fatiado
coppa di Martina Franca
Na Trattoria Vardaceli, o capocollo de Martina Franca é servido como antipasto especial

Na Puglia, essa iguaria da culinária tem origem no século XVIII e o seu diferencial está na técnica de confecção projetada para as condições climáticas particulares do Valle d’Itria, mais precisamente entre as cidades de Martina Franca, Locorotondo e Cisternino.

A região fica 400 metros acima do nível do mar e distante aproximadamente 30 km tanto do mar Adriático a leste, quanto do Jônico a oeste. Estamos falando do centro do taco da bota italiana, numa zona alta, seca e ventilada o ano todo, e por isso, historicamente dotada de condições climáticas perfeitas para a produção de embutidos.

É claro que hoje a tecnologia dá uma força, e salas com temperatura e unidade controladas são utilizadas no método semi-industrial de fabricação do capocollo. Diversamente, o produto não poderia ser feito de forma continuada, mas apenas durante o inverno.

Ainda, assim, o processo até chegar no produto final continua sendo complexo e ainda envolve muito trabalho manual.

Aliás, a tecnologia pode ajudar a trazer inovação aos processos, mas nada substitui os sentidos e a experiência do operador, que identifica ao toque e no olhar se o embutido está muito seco, muito úmido, pouco macio, com muito mofo, com a coloração estranha, enfim, se o produto caminha bem.

Foi no moderno Salumificio Santoro, em Cisternino, que acompanhamos passo-a-passo a produção do capocollo. Depois de uma visita pela produção na companhia do experiente Giuseppe Santoro, descobrimos o por quê a iguaria é tão apreciada. A carne passa por um longo e rigoroso processo, dos quais duas etapas são fundamentais para chegar à mesa do consumidor com os aromas que caracteriza: a marinada e a defumação.

Vejamos quais são as outras etapas:

1- Salga: a primeira providência é massagear e condimentar a carne com sal marinho e pimenta preta e, assim, coberta com os temperos, ela repousa por 15 dias em uma sala com temperatura controlada entre 4 e 6ºC. Nesse tempo, a cada 3 dias, as peças são giradas para que ganhem sabor de maneira uniforme.

2- Marinada: depois de salgada, a coppa é lavada em vinho “cotto” de Verdeca, um vinho denso e doce feito com a uva branca autóctone da Puglia. O capocollo permanece ali por algumas horas. Essa é uma etapa super importante porque é o que distingue – ao lado da defumação – a produção do capocollo.

3- Ensaque: a carne é envolvida por tripa natural (que também é deixada imersa em vinho cotto) em uma fase completamente manual.

Ensaque do capocollo
Ensaque: Processo manual

4- Defumação: as coppas são levadas então à sala de defumação que ganhou aromas da queima de ramos de carvalho macedônico (fragno) onde ficam por 2 dias. “Antigamente, os salames era colocados nas lareiras para enxugá-los e acabavam pegando o gosto da fumaça do ‘fragno’ queimado e daí veio a tradição de defumar o capocollo”, nos contou Giuseppe.

5- Maturação: cento e vinte dias de repouso em áreas secas e ventiladas são necessários para que as coppas estejam prontas. Para isso, nos primeiros quinze dias, as coppas são enxugadas em salas que sofrem alteração diária no índice de umidade e na temperatura, inciando com 20ºC e terminando com 15ºC, quando estão, finalmente prontas para repousar e envelhecer pelos próximos quatro meses.

controle de qualidade
Giuseppe Santoro verifica a qualidade do capocollo com a ajuda de um osso de cavalo

No Salumificio Santoro – que além de capocollo produz uma quantidade grande de outros embutidos – os processos de transformar a carne em salame, presunto, pancetta, santorella e tantos outro produtos são duplamente qualificados. Os cortes passam primeiro pelas mãos de Piero Caramia, sócio do salumificio e açougueiro há mais de quatro décadas. Depois eles são atentamente inspecionados um a um por Giuseppe, que pacientemente faz o controle de qualidade dos produtos Santoro. São mais de vinte anos de empresa, dez deles juntos, obstinados dia-a-dia em fabricar um produto tradicional cada vez melhor.

produtos premium da Puglia
Giuseppe e Piero: história de sucesso
capocollo di Martina Franca
Na sala de maturação

Conferimos a produção do Capocollo em Martina Franca: saiba tudo assistindo o vídeo!

E os vinhos?

Não dá para falar de produtos típicos de uma região italiana sem falar dos seus vinhos. Não é tarefa fácil, certamente, já que catalogadas pelo Registro Nacional de Vinhedos existem 567 diferentes tipos de vitis vinifera em toda Itália.

No que diz respeito à Puglia, o território produz ótimos vinhos DOC, como o famoso Primitivo di Manduria e o Negroamaro.

Originária da Croácia e muito famosa hoje na Califórnia – onde é conhecida como Zinfandel – a Primitivo di Manduria tem carreira consolidada mesmo é na Itália, cujo vinho já em 1974 obteve a Denominação de Origem Controlada. A principal característica dessa uva é a elevada quantidade de açúcar que acaba gerando um vinho com grande percentual alcoólico. O disciplinar determina que o teor alcoométrico mínimo deve ser de 14% vol. De cor rubi intensa, o Primitivo di Manduria tem notas estruturadas e de boa persistência.

Produtos da Puglia
Primitivo di Manduria DOC

Boa persistência também é característica do Negroamaro. A vinha está há tanto tempo na Itália – leia-se, alguns anos antes de Cristo – que a origem da casta não é certa. Uma teoria é de que os gregos a teriam trazido à Itália e ali teriam se adaptado muito bem. O vinho tinto feito de Negroamaro tem cor bem escura, com reflexos quase negros, e por isso o seu nome. Apesar da aparência robusta, é um vinho macio, com uma textura tânica discreta.

Em sua trajetória milenar, a história dessa vinha teve um marco importante na metade do século passado. Foram de uvas Negroamaro o primeiro vinho rosê engarrafado e comercializado na Itália, em 1943.

E é mesmo de um rosê 100% Negroamaro que nos lembraremos imediatamente ao pensarmos nos vinhos de Salento.

Nos referimos ao Rosê Metiusco da Palamà, um vinho que une o caráter encorpado de um tinto e o frescor de um branco e que se bebe fácil e muito. Um gole pede outro que pede outro. Talvez por isso o nome dele seja Metiusco, que em grego significa “eu me embebedo”.

O sabor é inesquecível, mas a característica mais intrigante desse vinho, porém, está no campo. As vinhas são podadas em formas de alberello, como se fossem bonsais. Baixinhas, se confundem com arbustos, com galhos não maiores de um metro.

O sistema de alberello, que ajuda a proteger a planta do vento que sopra do mar, entretanto, está em vias de ser erradicado. E o motivo é o mesmo que fez os campesinos deixarem de cultivar o tomate fiaschetto no norte da Puglia: pouca produção. Nos últimos anos, muitos alberellos foram arrancados e substituídos por outros sistemas economicamente mais interessantes.

arberello do sul da Itália
Alberellos fazem parte da paisagem da Puglia…por enquato
vinho de Salento
Micheli Palamà: resgate dos antigos vinhedos

Michele, o rosto jovem da Vinícola Palamà, começou a se preocupar ao ver vinhedos inteiros de alberellos maltratados, abandonados, a poucos quilômetros de onde está localizada a empresa fundada pela família em 1936.

“Esses ‘ alberellos’ plantados dessa forma, sem muito planejamento, é uma coisa que nos pertence, eles fazem parte da nossa história”, disse Michele enquanto nos mostrava um dos vinhedos antigos que passou a recuperar há pouco tempo. “Nessas terras trabalharam todos os nossos ascendentes. O vinho feito aqui não era aquele vinho destinado para a realeza, mas era o vinho de casa, o vinho sagrado feito para beber em casa. E esse copo de vinho era o que unia a família à mesa, era culturalmente muito importante”, continuou o jovem e entusiasta enólogo.

Negroamaro italiano rosê Metiusco
Metiuso Palamà: Rosê 100% negroamaro salentino

E é desses alberellos antigos e dessa paixão pelo vinho que Micheli gosta de chamar de “simples e bebível” é que provém o Rosê Metiusco Vencedor da Medalha de Ouro em Bruxelas como o melhor rosê do mundo em 2007.

Com cor clara e transparente, aroma de frutas vermelhas frescas e doces, na boca o vinho é fresco e persistente, harmônico, elegante. Um rosê de respeito e por isso vem ano após ano ganhando novas premiações ao lado dos outros rótulos da casa. Agora em 2019, foi o Metiusco tinto 2018 – uma mistura de Negroamaro, Malvasia Nera di Lecce e Primitivo – que levou medalha de prata no Concours Mondial, em Bruxelas.

produtos da Puglia
Casa cheia de rótulos premiados

Para saber mais sobre os vinhos de Salento, clique aqui!

E assim, testemunhas de que de Gargano à Salento, do Valle d’Istria à Taranto não faltam tesouros gastronômicos, nós encerramos a nossa jornada pela Puglia. Mais do que sabores de vinhos, queijos, salames ou tomates, levaremos as histórias das empresas familiares que há anos se dedicam a proteger a cultura alimentária do território pugliese, esse patrimônio imaterial de valor inestimável não só para os italianos, mas para todos nós, cidadãos do mundo.

[su_box title=”Calemone Azienda Agricola”]
C.da Baccatani, 36, 72100 Serranova di Carovigno BR, Itália
www.calemone.it [/su_box]

[su_box title=”Salumificio Santoro”]
Via isonzo, C.da Marinelli – 72014 Cisternino, BR, Itália
www.salumificiosantoro.com [/su_box]

[su_box title=”Vinícola Palamà”]
Via Armando Diaz, 6 Cutrofiano, LE, Itália
www.vinicolapalama.com[/su_box]

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