Burrata: uma ideia mais que genial

Quando a Stracciatella entra em cena e a Mozzarella passa a ser mera coadjuvante

Do amante da boa mesa àquele que só se alimenta para sobreviver; de quem frequenta restaurante estrelado à quem só come fast food: todo mundo conhece a “mozzarella”.

Ao menos de nome.

É que as versões espalhadas por aí não tem nada a ver com a mozzarella original, criada na Itália e produzida a partir de leite de búfala.

O queijo chamado de muçarela no Brasil é geralmente feito de leite de vaca, tem cor amarela e massa levemente rígida (ainda que filada), fácil de ralar, de derreter e de colocar sobre a pizza. Um queijo muçarela fabricado por um grande laticínio vem embaladinho no plástico e pode durar até 4 meses. Após aberto, estraga em 15 dias.

Já a mozzarella italiana original é feita de leite de búfala, é bem branquinha e tem a massa filada, fresca e macia. O queijo é mantido no soro em que foi fabricado até ser consumido, mantendo-o, assim, hidratado, com sabor, aroma e a consistência elástica original. A mozzarella deve ser consumida o mais rapidamente possível. As produzidas pela grande indústria tem validade de 1 mês. As artesanais, fresquíssimas e de qualidade muito superior devem ser consumidas no máximo no dia seguinte ao da fabricação.

Tá fácil entender a diferença? Então vamos complicar um pouquinho.

mozzarella italiana
Bolinhas de Mozzarella recém moldadas

Mozzarella, Mozzarella de Búfala e Fior di latte

Quem decidiu complicar a história, em realidade, foram os próprios italianos.

É que antes da segunda guerra existia praticamente apenas mozzarella feita de leite de búfala e, por isso, quando se falava em mozzarella, sabia-se que se tratava do queijo de massa filada feito de leite de búfala, exclusivamente. Com os anos passou-se a fabricar mozzarella também com leite de vaca e tudo era chamado simplesmente de mozzarella, gerando confusão entre os consumidores.

No ano de 1996, entretanto, uma conquista importante para a gastronomia italiana deixou tudo mais claro. A mozzarella de búfala da Campânia obteve o reconhecimento DOP e, a partir de então, somente o queijo tutelado pode ser chamado de “Mozzarella de Búfala”. As demais mozzarellas feitas de leite de búfala que não se enquadram no regulamento DOP, passaram a ser denominadas “Mozzarella de Leite de Búfala”. E as mozzarellas feitas com leite de vaca passaram a ser chamadas pura e simplesmente de Mozzarella ou, ainda, Fior di latte, para ser ainda mais simples. 

Ocorre que apesar de a legislação ter distinguido o joio do trigo, por um traço histórico, vemos que no dia-a-dia os italianos seguem utilizando a expressão isolada “mozzarella” para definir o queijo feito de leite de búfala, como era feito anos atrás.

A confusão, portanto, persiste entre os consumidores mais tradicionais ou menos avisados.

A dica, nesse caso, é sempre estar atento ao que diz a embalagem, especialmente nas entrelinhas. E se for comprar o queijo em algum caseifício pergunte claramente ao vendedor de que leite é feita a mozzarella. Na Campânia provavelmente você escutará um sonoro: “mozzarella é sempre de búfala!”, enquanto que nas outras regiões da Itália a resposta mais usual será: “mozzarella é sempre de vaca!”.

E a burrata, quando entra nessa história?

A burrata é um produto derivado da mozzarella (ou do fior di latte) e olhando por fora elas são bem parecidas. A diferença está no interior. A burrata é recheada com stracciatella, que nada mais é do que a mistura da pasta filada da mozzarella com nata fresca.

O nome burrata, de fato, deriva da palavra “burro”, que em italiano quer dizer manteiga e faz referência justamente ao sabor “amanteigado” contido no seu interior.

Segundo o Consórcio que protege e regulamenta a fabricação da Burrata di Andria I.G.P., o queijo nasceu graças a uma intuição do mestre queijeiro Lorenzo Bianchino: “A história conta que, durante uma forte nevasca no inverno de 1956 que atingiu Murgia e Andria, o leiteiro tentou lutar pela conservação e transporte de produtos lácteos que, devido ao frio, se tornaram cada vez mais difíceis. Ele pensou então em criar uma espécie de bolsa protetora da mesma massa de mozzarella para proteger a que se desfez, combinada com a nata. Assim nasceu a famosa Burrata di Andria”. [veja: burratadiandria.it]

A ideia de Bianchino uniu a necessidade de conservação da nata e do aproveitamento do alimento excedente, nesse caso, a massa desfiada. A stracciatella pode ser considerada, por essa razão, um símbolo de respeito pelo alimento e combate ao seu desperdício.

Mas veja bem! Isso não quer dizer que uma burrata dura o inverno inteiro.

Assim como a mozzarella, ela é um queijo fresco que requer ser consumido o mais rápido possível. Só assim se pode garantir o seu sabor rico e amanteigado na boca.

mozzarella burrata italiana
Francesco “filando”a futura mozzarella
mozzarella burrata italiana
Nata fresca e massa filada: stracciatella

Caseifício Lanzillotti e a tradição leiteira do sul da Itália

Fica em San Vito dei Normanni, uma pequena cidade distante uma hora de carro de Lecce, “o caseifício” em que provamos a burrata mais fresca, mais delicada e saborosa da nossa já não tão curta existência.

Caseifício é o nome dado na Itália ao estabelecimento que transforma o leite em manteiga e queijo.

Pequenos caseifícios podem ser encontrados facilmente nos centros das cidades do sul da Itália, como é o caso de San Vito dei Normanni, que tem cerca de 20 mil habitantes. A grande vantagem é que a produção diária vem colocada à venda diretamente ao consumidor final. Em analogia, pense na sua padaria que desenforna pães quentinhos pela manhã… é a mesma logística, só que com queijos frescos.

É ou não é um privilégio morar numa cidade que tenha um caseifício? Se for como o da família Lanzillotti, o privilégio é ainda maior!

Nossa visita ao estabelecimento fundado em 1977 não foi por acaso. Quem nos levou até ele foi a bravíssima Coordenadora da Conduta do Slow Food de Lecce, Antonella Capraro. No caminho até lá, Antonella nos falava com entusiasmo dos associados da conduta e dos jovens empresários que estão fazendo um trabalho importante de salvaguarda das tradições gastronômicas e dos produtos autóctones de Salento. Alguns deles conheceríamos no decorrer das semanas. Já Francesco Cito conhecemos naquele sábado ensolarado de maio, bem no dia em que o time de futebol de Lecce jogaria a partida que decidiria se a equipe subiria para a primeira divisão do campeonato italiano. As pessoas estavam agitadas, as estradas lotadas: a região estava um fervo!

Lá no caseifício de Francesco as coisas também andavam em ritmo acelerado para dar conta da produção. No pequeno ponto de vendas de onde é possível ver os queijos sendo elaborados, o entra e sai de clientes era constante. 

“Infelizmente a ricota já acabou”, disse a esposa de Francesco ao cliente que acabou levando algumas burratas recém-moldadas na sala ao lado por Paoa Tari, “a rainha da burrata” como é carinhosamente apelidada pelos colegas.

Das mãos dela é que vimos o processo final de elaboração da mozzarella e da burrata e pudemos prová-las ainda quentinhas, como fazem tradicionalmente os italianos do sul.

Aquele sabor de leite fresco e a sensação da nata escorrendo entre os meus dedos enquanto eu devorava aquelas suculentas bolinhas de queijo estarão para sempre gravadas na parte mais especial do meu arquivo de memórias gustativas.

A razão da qualidade dos produtos Francesco já entregou assim que pisamos no caseifício: leite cru, local e fresquíssimo.

Mas nem sempre foi assim.

No início dos anos 2000, o movimento Slow Food criou a Comunidade de Produtores Caseários do Alto Salento e promoveu uma mudança importante no que diz respeito à transformação do leite na região.

 “O leite pasteurizado que utilizávamos nos anos 80 e 90 deu lugar ao leite cru. Essa possibilidade nos permitiu conservar todas as características organolépticas do leite e do nosso queijo, o que significa conferir ao nosso produto o sabor do nosso território”, contou-nos Francesco.

 “O leite pasteurizado gera um produto padronizado, então uma mozzarella produzida na Puglia ou em Milão resultam sempre a mesma coisa. O leite cru permite personalizar o produto que iremos provar”, continuou o jovem queijeiro.

burrata italiana
Tradição e Inovação: os criadores da Mozzarella recheada com ricotta
panna cotta
Panna Cotta feita com o soro do leite usado para fazer a mozzarella: deliciosa!

Sem dúvida foi um resgate importante da tradição leiteira do sul da Itália. Conectar o produto ao território é uma arma essencial para valorizar a atividade dos pequenos produtores locais, uma vez que protege o patrimônio imaterial nascido e desenvolvido ali, tornando-o absolutamente inimitável em outra parte do mundo.

Tradição e Inovação

Assim como Bianchini fez no passado, os Lanzillotti também já escreveram algumas linhas na história dos laticínios italianos. Há 15 anos eles criaram a mozzarella recheada com ricota. Não dá para dizer que a criação original foi superada, até porque não é uma questão de competição. Mas que os Lanzillotti fizeram um ótimo trabalho, ah isso fizeram! A mozzarella recheada com ricota é “buoníssima”!

mozzarella burrata italiana
Mozzarella por fora, ricotta por dentro

Além da burrata, agora temos mais um motivo para retornarmos à Puglia!

E para quem ficou curioso: sim, o time de Lecce venceu a partida e agora está na série A do campeonato italiano.

[su_box title=”CASEIFICIO LANZILLOTTI”]
Via Vito Oronzo Errico,33 – 72019
San Vito Dei Normanni (BR)
www.caseificiolanzillotti.it
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