Os melhores queijos do sul da Itália têm nomes curiosos e sabores únicos!
Não se intimide com os nomes difíceis. Eles não representam a facilidade com que se pode apaixonar pelos queijos do sul da Itália. Palavra de escoteiros, ou melhor, de “queijólatras”. Foi exatamente isso que aconteceu com a gente assim que Dr. Giuseppe Bramante fatiou o caciocavallo podólico levemente envelhecido e a cacioricotta fresquíssima produzidos na sua fazenda.
Para falar a verdade, mesmo antes da degustação já estávamos completamente absortos com a beleza surreal da fazenda e com atmosfera tranquila do lugar onde são produzidos esses queijos.
Localizada na Península Gargano, bem no esporão da bota italiana, a Azienda Agrícola Bramante fica inteiramente dentro do perímetro do Parque Nacional do Gargano, uma área protegida em razão da rica e variada biodiversidade que é difícil de encontrar no resto da Itália.
Para se ter uma ideia, grande parte dos 350 hectares da propriedade são tomados por antigas oliveiras selvagens, constituindo uma verdadeira floresta de olivas centenárias naturais. Oliveiras plantadas aleatoriamente por Deus, parafraseando nosso amigo chocolatier da Amazônia, Cesár De Mendes.
Apesar de boquiabertos com aquele bosque sem fim de oliveiras, nós nos concentramos em conhecer as raças bovina e caprina que dão sobrenome aos queijos de sabores únicos do sul da Itália.
As raças Podólica e Gargânica
Em comum, as vaquinhas podólicas e as cabrinhas gargânicas tem a terra natal. É nesse pedacinho da Itália – que já foi uma ilha e há milhões de anos atrás se juntou ao continente – que elas costumavam viver de forma selvagem, constituindo, portanto, parte importante da paisagem e integrante do território.
Dr. Giuseppe Bramante, que está envolvido há anos na recuperação dos bovinos da raça Podólica, contou que duas são as teorias da origem da raça bovina. “A primeira diz que ela é originária da região do sul da Ucrânia, onde se chama podólia e teria chegado à Itália cruzando todo o leste europeu.”
Já a outra teoria – cujos fundamentos estariam evidenciados em estudos científicos da genética molecular – retorna à idade pré-histórica, na época neolítica, para explicar o aparecimento da raça na Itália. “Os primeiros bovinos foram domesticados na região entre o Rio Tigre e o Eufrates, na zona fértil onde surgiu a agricultura. Esses bovinos teriam chegado ao sul da Itália através da rota marítima mediterrânea. O cruzamento desses bovinos domesticados com os bovinos selvagens existentes no território italiano teria dado origem à raça podólica (…) uma raça autóctone, portanto, presente aqui há muito tempo”, explicou Dr. Bramante.
Já com o desenvolvimento da indústria pecuária intensiva e a modificação genética dos animais para que passassem a produzir mais carne e mais leite, algumas raças chegaram à beira da extinção. A raça podólica – que se manteve com as características originais – é uma delas.
O mesmo acontece com a Cabra Gargânica, uma raça selvagem, acostumada a viver solta na natureza. Anos atrás, a cabra era uma fonte importante de recursos (carne, leite e couro) para a população local. Com o passar dos anos, o número de animais decaiu bastante. Segundo dados dos responsáveis pela recuperação da raça, há 15 anos havia 30 mil cabras gargânicas, enquanto hoje existem menos de 3 mil.
A fim de proteger a existência dessas raças rústicas, Dr. Bramante assumiu com paixão o compromisso de elaborar o leite produzido por esses animais, transformando-o em dois dos mais emblemáticos queijos da Puglia: o caciocavallo e a cacioricotta.
A produção do Caciocavallo Podólico de Gargano
Graças à criação extensiva e à alimentação exclusiva nos campos, onde os animais encontram ervas, flores, pastagens e também as oliveiras à disposição, tanto as vacas como as cabras produzem um leite de qualidade muito, muito especial. Contudo, a quantidade é bastante limitada.
Enquanto raças geneticamente modificadas chegam a produzir 70 litros de leite ao dia, a vaca Podólica produz em média apenas 5. E para fazer 4 caciocavallos é preciso de 80 litros de leite!
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Por isso, a fazenda produz apenas cerca de 400 peças de caciocavallo podólico ao ano, uma verdadeira preciosidade que ganha a marcação “GB”, indicando que foi produzida na fazenda de Giuseppe Bramante.
Acompanhar a feitura de queijos filados como a scamoza e a muzzarela são sempre uma grande experiência. Quanto mais artesanal o processo, maior o espetáculo. No caso do caciocavallo podólico, além do processo de filatura ser mais demorado que o dos outros queijos da mesma categoria, a fase de moldagem é ainda mais complexa.
O trabalho é muito artesanal, exige muita força e também concentração. Para moldar uma peça, uma pessoa experiente leva em torno de 15 minutos.
Foi mais ou menos esse tempo que Vullnet levou para nos mostrar o processo de moldagem da peça. Nesse meio tempo, assistimos um show de arte, com muita força, técnica e resistência.
Não por acaso Vullnet Alushani ganhou o prêmio “Resistência Casearia”, “um prêmio conferido aos que dispensam os atalhos da modernidade e continuam obstinadamente a produzir queijos respeitando a natureza, o gosto e a tradição. Mesmo que tudo envolva cansaço, risco, isolamento, eles resistem, enfim. E fazem isso também por nós, mantendo vivo o patrimônio irrecuperável de conhecimento, de saber fazer as coisas, das paisagens, da relação com os animais”, dizia a placa de condecoração.
As etapas da produção
Para moldar o Caciocavallo Podólico, primeiro a massa láctea fermentada por cerca de duas horas é cortada em fatias médias e colocada em água fervente. A massa se une novamente conforme o mestre queijeiro vai mexendo, esticando e acrescentando mais água quente até o ponto em que esteja bem lisa. A próxima etapa é formar – com as mãos – um longo e grosso cordão que chega à altura do queijeiro.
O cordão é finalmente dividido em duas metades e cada parte vem moldada manualmente até formar uma peça de caciocavallo. Essa fase é muito importante, nos explicou Giuseppe, porque a massa deve estar bem compactada, fechada, deixando apenas uma pequena ponta que é por onde o queijo será pendurado. Já na etapa final, o queijo é moldado com a ajuda do soro de leite quente, que ajuda a manter o formato recém trabalhado.
Quando está pronto, o queijo ganha a forma de pêra e fica por cerca de dez minutos em um recipiente com água fria. Em seguida as peças vão parar em uma solução de água e sal por dois dias e só depois disso as peças são amarradas e penduradas para iniciar o processo de maturação.
O nome caciocavallo deriva de “cacio”, o queijo, que envelhece “a cavallo”, ou seja, como se estivesse na lomba de um cavalo. Isso porque os queijos são ligados de dois a dois por um cordão e envelhecidos pendurados em um pedaço de lenha que é fixado no teto.
O envelhecimento mínimo – ainda que seja uma questão de paladar – é de três meses, mas o caciocavallo pode alcançar vários meses, até um ano, disse Bramante, que deixa as relíquias amadurecerem lentamente em uma “Grota”, um lugar fresco no interior do Palácio existente na fazenda, construído no século XVI.
Fresco, como nós o provamos, o queijo ainda é delicado, mas já tem sabor bem definido. Quando maduro, o Caciocavallo Podólico tem aromas complexos de pastagem e especiarias e uma persistência ainda mais prolongada.
Por sua qualidade, o Caciocavalo Podólico é reconhecido como um queijo nobre, de mesa, que deve ser consumido e degustado de per si, antes ou depois das refeições.
Em contraponto, o uso de produtos especiais e de elevada qualidade sempre entram no cardápio de bons restaurante. Quem leu sobre a nossa passagem pelo Vêneto viu que o Caciocavallo Podólico foi usado pelo chef Marco Formenton no preparo do cacio e pepe, o icônico prato italiano. A iniciativa ajuda a promover o produto e todos saem ganhando: cliente, produtor, empresário e, claro, a biodiversidade.
A Cacioricotta Gargânica
A cacioricotta também faz parte da tradição leiteira pugliese e se chama assim justamente porque une em um único produto, a ricota e o queijo. Para chegar a esse resultado, primeiro o leite é aquecido à temperatura necessária para surgir a ricota e depois é esfriado a uma temperatura de 40ºC quando vem misturado o coalho para formar o queijo.
No final, o queijo ganha uma consistência mais compacta que a de uma ricota, mas com o sabor suave desse derivado do leite que de regra é feito apenas das proteínas do soro do leite.
Tanto na textura como na aparência, o cacioricotta se assemelha bastante ao nosso tradicional queijo minas frescal, branquinho e macio. A diferença, é claro, está no sabor, já que o leite de cabra possui um gosto peculiar.
Aliás, para você que mora em Minas, um recado importante: valorize muito os pequenos produtores desse estado abençoado que a cada dia faz queijos de melhor qualidade!
E para você que mora em qualquer parte do mundo, pedimos outra gentileza: no dia em que você tiver a oportunidade de provar o caciocavallo podólico ou a cacioricotta gargânica, volte aqui e deixe nos comentários como foi a sua experiência!
[su_box title=”Azienda Agricola Bramante | Masseria Paglicci”]
Contrada Paglicci, 71010
Rignano Garganico, Foggia, Itália
www.masseriapaglicci.it
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Achei muito muito legal e completo a pesquisa de vocês!!!