Do Tarallini à Carne de Cavalo
“No sul da Itália vocês irão comer muito bem!”
“O sul da Itália é o antro da boa comida!”
“Vocês não podem deixar de provar as comidas do sul da Itália!”
Ouvimos essas e outras frases desde o dia que chegamos no país de Leonardo da Vinci. Depois de alguns meses na Europa, finalmente chegamos ao reduto da boa comida italiana, ainda que seja difícil acreditar que no sul a comida possa ser ainda melhor daquela que encontramos nas outras regiões da Itália.
Pois bem, chegou a hora de tirarmos essa história a limpo!
Começamos nossa aventura gastronômica pela Puglia, a Província que fica na costa leste e por isso é mais conhecida como o “taco da bota”. As paisagens ao longo da costa são belíssimas, com a cor azul do Mar Adriático de um lado e imensas plantações de olivas do outro. Duas coisas, porém, vem afetando essa beleza natural. A primeira se chama Xylella, uma bactéria que está devastando as oliveiras do sul da Puglia, modificando por completo a paisagem do território. E a segunda é o homem, que em muitas regiões desse mundo ainda não sabe gerir o lixo que produz. Infelizmente encontramos muito lixo jogado nas áreas comuns na nossa passagem pela Puglia, algo que definitivamente não combina nem com o mar azul, nem com as oliveiras centenárias que encontramos por lá.
Mas voltando à gastronomia.
Nossa primeira máxima sobre a comida da Puglia foi logo desmentida. Apesar da proximidade com o mar, a gastronomia pugliese tem muito da terra. O solo, o clima, a temperatura e a ventilação constante das correntes marítimas propiciam o cultivo de grãos, amêndoas, tomates, alcachofras, figo, figo-da-índia, hortaliças como cime di rapa e, claro, de uvas e azeitonas.
O que provamos por lá? Vamos à lista dos 10 sabores típicos que experimentamos na Puglia:
1- Pettole ou Pittule
Vamos começar com o bolinho frito típico salentino porque tradicionalmente ele é servido como um agrado, um sinal de boas-vindas. Quem ensinou a receita para gente foi a querida Rocchetta De Filippis, proprietária da Trattoria Vardaceli, que fica na Província de Lecce. Segundo ela, o pettole é bem versátil, feito apenas com farinha, água e fermento e pode levar legumes diferentes – até mesmo aliche! -, a gosto do freguês. O que provamos foi feito com tomate, abobrinha, azeitonas e alcaparras, os ingredientes típicos do mediterrâneo. É super fácil, gostoso e vai bem com uma cervejinha ou vinho branco. Na Trattoria Vardaceli não falta o agrado: sentou à mesa, recebeu os bolinhos fritos na hora!
2- Pizzi Leccese ou Pucce Salentina
Esse pãozinho temperado é a cara da região centro-sul da Puglia. Ele segue a linha do pettole, mas dessa vez, a massa é assada. Na variante feita no conceituado Lilith Ristorante, o jovem chef Matteo Romano juntou fermento natural, farinha de sêmola, água, tomate, cebola, sal e azeite de oliva. Ah, um pouquinho de óleo da “conserva” de pimentas também para dar aquele toque. Por toda a Puglia é possível encontrar o pizzi em várias versões, com azeitonas, verduras… mas invariavelmente é feito com muito azeite extravirgem de oliva do território. Precisamos dizer que é bom?
3- Rústico
Na linha dos assados, o Rústico é um salgado bem típico, encontrado em todos os bares e quiosques de Salento. É feito de massa folhada com recheio de molho bechamel, polpa de tomate e mozzarella (fior di latte). Na hora de comprá-lo, a dica dos puglieses é perguntar se acabou de sair do forno! Quente, com a mozzarella derretendo, o rústico é muito mais gostoso!
4- Frisa
É a bruschetta do pugliese. A frisa é um pãozinho duplamente assado o que deixa ele bem crocante. Na hora de comer, o pão é hidratado em água por alguns segundos, apenas o suficiente para que amoleça um pouco, mas permaneça com partes crocantes. O jeito mais tradicional de servi-lo, contou-nos o simpático padeiro Maicol Rizzo, é com o suco do tomate espremido, uma pitada de sal e azeite de oliva. É tão simples que a gente ficou desconfiado no começo mas acabou se apaixonando pela preparação. A dica é comprar frise feitos de grano duro, como o de Senatore Capelli. O sabor e a consistência ficam muito, muito mais interessantes!
5- Tarallini
Piemonte tem grissini, o Vêneto tem galbetti e a Puglia tem taralli ou tarallini, dependendo do tamanho do biscoito que é feito basicamente de farinha, vinho branco e óleo de oliva. Eles são consumidos por 10 entre 10 italianos e a razão é simples. Eles são snacks quando bate a fome no meio do dia; aperitivos, para abrir um jantar; ou um ótimo acompanhamento para uma cerveja ou uma taça de vinho. Muitas são as maneiras como eles são preparados: redondo, oval, pequeno, grande, salgado, picante e mesmo doce. Dá para se fartar! Na opção doce, provamos uma bem gostosa, feita com vincotto, o mosto de uva cozido lentamente que ganha gosto de melaço açucarado.
6- Ciceri e Tria
Típico de Salento, esse prato é feito com grão de bico e macarrão de sêmola de trigo duro. O interessante desse prato é que ele mistura o macarrão parte cozido e parte frito que vem misturados ao grão de bico, azeite extra-virgem, alho, cebola. Repolho também vai na receita típica, mas o mais curioso são os temperos. O caldo onde se cozinha a massa leva canela, cravo e noz moscada em pó. Estranho? Delicioso!
Esse é um prato muito antigo, com registros anteriores à Cristo e atualmente é preparado no dia 19 de março, dia de São José. Restaurantes mais tradicionais de Salento o servem o ano todo. O nosso estava delicioso e foi preparado na Trattoria Vardaceli na versão sopa, mas ele pode ser também mais enxuto, sem a adição da água do cozimento.
Essa e outras receitas típicas de Salento você descobre assistindo o nosso vídeo!
7- Pettole all´acqua: Caldo de legumes, ervilha amarela e massa feita com menta
Uma variação da sopa de ceci e tria. No lugar do grão de bico, leva ervilha nano amarela (sim, existe ervilha amarela!); no lugar do macarrão, o caldo ganha uma massinha mole feita com ovo, queijo de ovelha ralado, pimenta, água e farinha… lembrando um pouco um spatzel grandão. A grande sacada é a inclusão de menta na massa que deixa um sabor refrescante ao prato. Bem gostoso para um diazinho frio, para comer com calma…com uma tacinha de vinho e um pão italiano.
A ervilha nano de Zollino é uma espécie muito antiga e se assemelha na aparência a um grão de bico pequeno. É cultivada na pequena cidade do interior de Lecce, onde o griko ainda é falado, um dialeto que lembra a língua grega.
8- Massa artesanal fresca
Fazer a massa à mão não é um costume que se mantém em pleno vigor em todas as casas italianas. Afinal, hoje o tempo voa e ninguém mais tem folga para se dedicar à alimentação da família como uma época. Aqui na Itália, contudo, bons restaurantes mantém a tradição de servir a massa artesanal, feita no dia, como faz o Restaurante Lilith.
Foi a habilidosa Miriana Capone, proprietária e chef, quem nos ensinou a fazer orecchiette, maccheroni, tria e sagne ‘ncannulate. A primeira lembra um “fandangos” e o acompanhamento ideal é cime de rapa, uma hortaliça típica do sul da Itália. A segunda é muito curiosa porque o buraco no centro é feita com ajuda de um ferrinho fino e longo, um instrumento que não se encontra para comprar. A terceira é a massa quadradinha, usada para fritar e fazer a sopa de ceci e tria que falamos a pouco. E a última é uma massa longa enrolada em espiral, ótima para agarrar todo o sabor do molho.
Descubra como são feitas as massas frescas típicas do sul da Itália!
9 – Pezzetti de Cavalo
É tão comum consumir carne de cavalo na Puglia que em Lecce encontramos um Food Truck vendendo sanduíche feito com ela. Antes que você ache estranho, no sul da Itália há criação de cavalos para consumo, um sabor cultural que faz parte da tradição do território há anos.
A receita mais comum, o pezzetti de Cavalo, pede molho de tomate, muito molho de tomate! Mas antes de agregar o sugo, a carne é cozida lentamente, horas e horas com cebola, cenoura, salsão e cravo. A carne de cavalo é um pouco mais fibrosa e doce que a de bovino, mas servida como na foto pode ser facilmente confundida com a carne de gado.
10 – Pasticciotto
Pra finalizar, vamos de doce! Já falamos do pasticciotto com mais detalhes aqui! É o doce de massa quebradiça recheado com creme de confeiteiro que se encontra em todas as confeitarias de Salento. Receitas mais contemporâneas podem levar cereja, chocolate ou vinho “cotto” na receita, essa última, a nossa preferida!
Bônus: Tagliatelle ao limão com ragu de peixe
Ele não está elencado exatamente como prato originário da Puglia, mas era tão bom que fizemos questão de relacioná-lo nessa lista de seletas preparações que provamos no taco da bota.
Quem preparou o tagliatelle foi Antonella, esposa do simpaticíssimo Daniel que nos encontrou na rua de Alliste, ficou entusiasmado com o nosso projeto e nos convidou para sentar a mesa com a sua família.
Antonella colocou um pouco de limão na água do cozimento do macarrão e depois misturou em molho de tomate com peixe-espada bem soltinho. O tempero era bem caseiro, cheio de carinho e muita gentileza. Funciona sempre, em qualquer preparação, em qualquer lugar do mundo.
[su_box title=” Trattoria Vardaceli”]
Via Giacomo Matteotti, 3,
73032 Castiglione d’Otranto (LE) Itália
www.facebook.com/TrattoriaVardaceli[/su_box]
[su_box title=” Pane é fantasie “]
Via Roma, 36, Racale ( LE) Itália
www.facebook.com/maicol.rizzo90 [/su_box]
[su_box title=” Ristorante Lilith “]
Provinciale Strudà Vanze, 73029 Strudà (LE) Itália
www.ristorantelilith.it/ [/su_box]
[su_box title=”Café dei Napoli”]
Piazza Municipio, 2, 73040 Alliste LE
www.facebook.com/cafe.d.napoli
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