Visitamos uma dezena de empresas na região de Cosenza e descobrimos uma Calábria cheia de excelentes produtos orgânicos e ótimas iniciativas
Hora de pegarmos estrada novamente!
Deixamos a Puglia logo depois de vermos a impressionante produção de Cappocollo de Martina Franco no Salumificio Santoro. Os trullis – casas típicas da região feitas de pedra e declaradas Patrimonio Mundial da Humanidade pela UNESCO – ficaram para traz assim que pegamos o caminho sentido à Basilicata.
A rodovia até a Calábria margeava o mar Jônico – tingido de um azul estonteante – e ao final da tarde já estávamos na planície de Síbari. A cidade de Rossano foi o ponto de partida da nossa jornada pela cultura enogastronômica pela Calábria.
Um café, por favor!
Sem nenhuma biblioteca à disposição na cidade, fizemos como na América. Buscamos uma cafeteria que tivesse internet para colocar os trabalhos em dia. Não, nada de Starbucks. Acho que custam a sobreviver por aqui, onde o café é tomado em um só gole, como se fosse um digestivo.
Seguimos a tradição local e pedimos um expresso. Por um segundo eu achei que era mesmo álcool que havia ingerido. A tosta extra forte deixou o café uma verdadeira bomba e instantaneamente minha cabeça sentiu os efeitos, como se tivesse bebido uma grappa.
O mais interessante é saber que colombianos jamais chamariam aquela bebida de café. Americanos a misturariam em um litro de leite com canela, baunilha, creme e chocolate em pó, colocariam em um copo plástico e sairiam tomando pela rua. Brasileiros a alongariam com água quente e muito açúcar. Tudo generalizando muito, é claro.
Depois de quase dois anos de estrada, aprendemos que a partir de um simples café podemos aprender muito sobre o paladar cultural de uma região. Na região da Colômbia em que se toma café levemente tostado, a comida é praticamente sem tempero, quase sem sal.
O café negro e muito, muito forte que bebemos na chegada à Calábria era um indício de um paladar cultural especialmente voltado aos sabores mais intensos, como do alcaçuz, do porco negro e, claro, da pimenta, a famosa pimenta calabresa que acaba levando o nome da Província no Brasil.
Mas…cadê a pimenta?
A pimenta, como sabemos, é nativa da América e chegou à Europa na mesma caravana que o tomate, o milho e a batata. Ok, não assim ao pé da letra, mas é curioso que o ingrediente vindo do nosso continente tenha se tornado o emblema da cultura alimentar da Calábria.
Segundo nosso amigo Gianfranco Sulfaro, o calabrês que nos acolheu na pequena Santa Sofia d´Epiro, a pimenta ganhou apreço por aqui porque a especiaria conferia sabor à cozinha pobre de outrora, baseada fundamentalmente numa dieta vegetariana.
Mas, cadê os pés de pimenta?
Em nossos primeiros sete dias pela Calábria provamos pratos típicos picantes e vimos os italianos utilizarem a pimenta seca sobre a pasta como se queijo parmesão fosse. Contudo, ao perguntar aos calabreses onde estariam as plantações de pimenta, num primeiro momento ficamos sem resposta.
Isso se explica porque ainda estávamos ao norte do país, na província de Cosenza, mais precisamente na planície de Síbari, onde a pimenta está sobre a mesa, mas são os pés de tangerinas e outros cítricos que tomam conta da paisagem.
Os produtos típicos da Calábria e a filosofia orgânica em ascensão
A Calábria é responsável por ¼ de toda produção de cítricos da Itália, mas infelizmente não chegamos à Província na época de colher a tangerina diretamente no pé.
Ainda que nada substitua o sabor da fruta fresca, pudemos, entretanto, saborear as notas intensas dos cítricos que crescem nos Vales de Colagnati e Coriglianeto na versão suco, 100% natural.
Cristiana Smurra, que ao lado da irmã Marina cultiva críticos desde 1987, contou-nos que a parte excedente da sua produção – totalmente orgânica – é transformada em suco. O produto é extraído das frutas esteticamente imperfeitas – mas igualmente boas e saborosas – que seriam jogadas fora por falta de aceitação do mercado. Um jeito de combater o desperdício alimentar e ainda colocar no mercado um produto completamente saudável.
Contra eventuais insetos, as irmãs fazem tratamento das plantas de cítricos com ozônio. É uma alternativa recente. O gás natural encontrado na atmosfera, não deixa nenhum tipo de resíduo nas lavouras. A desvantagem é o preço. Para ser aplicado requer equipamentos complexos e caros.
Já na pequena parcela de terras destinadas ao cultivo de oliva, o “inseticida” é mais em conta: vem do mar. Cristiana nos contou que sardinhas são penduradas nas árvores numa espécie de armadilha. O cheiro atrai os insetos que caem em uma solução com água, deixando os frutos livres dos ataques das moscas. Portanto, se você passar por uma plantação de oliveiras e sentir cheiro de peixe, não se espante!
Em poucas palavras, o termo “agricultura orgânica” indica um método de cultivo que permite somente o uso de substâncias naturais, presentes na natureza. Exclui-se o uso de fertilizantes, herbicidas e inseticidas químicos. A agricultura orgânica segue um modelo de produção que protege a biodiversidade e evita a exploração dos recursos naturais, em particular do solo.
A agricultura e também a pecuária orgânica desempenham um papel fundamental no equilíbrio do meio ambiente, na decentralização do poder econônimo e, sobretudo, na saúde humana. Apoiar pequenos produtores que cultivam e criam de forma orgânica é a forma mais simples e inteligente de garantirmos um futuro sustentável para o planeta e uma qualidade de vida melhor para todos.
Na Calábria, província agrícola por vocação, os produtos cultivados de maneira orgânica vem ganhando destaque. Além dos crítricos, os calabreses tem se dedicado ao cultivo de hortaliças, uvas, grãos e olivas conforme exige a regulamentação da União Européia para a Certificação como Orgânico. A criação de animais segue a mesma linha e o modelo extensivo já é uma realidade consolidada na região de Cosenza.
Para levar a filosofia bio adiante, contudo, vimos que apersar de estarmos falando de um mercado consumidor mais consciente das suas escolhas, a produção de maneira sustentável – mesmo na Europa – exige uma boa dose de criatividade e muita perseverança por parte dos produtores calabreses.
Alguns produtos, por exemplo, só encontram lugar no mercado externo e atingí-los requer esforço concentrado.
É o caso dos azeites de oliva made in Calábria, que é responsável pela produção de 1/3 de todo azeite feito na Itália. Grande parte dessa produção é destinada aos outros países da União Européia que procuram por um produto diferenciado e de qualidade.
A Alemanha, por exemplo, é o principal parceiro comercial do Consórcio Colline di Cosenza, que desde 2014 reúne mais de mil pequenas empresas, a maior parte, produtoras de azeite de oliva com certificação orgânica.
As fazendas são de gestão familiar, transmitidas de pai para filho e encontraram no Consórcio a forma de reunirem forças para exportar para o resto da Europa e para o mundo o azeite que aprenderam a fazer desde pequenos.
Eles são a terceira geração da família a produzir azeite na região e acompanharam o processo de modernização do sistema de transformação da azeitona em azeite extra virgem.
“No início, o óleo era “maltratado” porque era extraído nas prensas e de azeitona colhidas do chão, já machucadas. O óleo ficava muito ácido, sem comparação com o produto que é feito hoje em dia. Naquela época, quando ainda não havia energia elétrica, nosso óleo era mandado aos Estados Unidos para ser usado em lâmpadas e por isso o azeite extraído no método antigo é conhecido como óleo lampante”, nos contou o Presidente do Consórcio, Gianfranco Sulfaro.
Hoje a busca é por um produto sempre de melhor qualidade, frutado, equilibrado e para alcançá-lo, o cuidado começa ainda na plantação.
Além da poda especial – que tem papel fundamental no desenvolvimento das olivas – o uso de tratamentos biológicos garantem um azeite de oliva de qualidade indiscutível, mantendo intactos todos os benefícios nutricionais presentes da azeitona.
Afinal, se o uso do azeite extra virgem é constantemente conectado à palavra saudável, mais razão terá esse discurso se as azeitonas forem cultivadas longe de produtos químicos.
Na nossa rica passagem por Cosenza, tivemos o privilégio de conhecer algumas fazendas produtoras de azeite de oliva extravirgem orgânico do norte da Calábria e depois de prová-los ganhamos um grande problema: ficamos mal acostumados. Temos – sem sombra de dúvida – um novo parâmetro para o que podemos chamar de um bom azeite de oliva extravirgem.
Mas a Calábria tem muito mais!
Hortaliças e grãos caminham na mesma direção. Em Rossano visitamos a Biortilia, a horta orgânica certificada da fazenda do simpático Cesare Anselmi. Diferente do azeite de oliva, as hortaliças cultivadas em pequena escala são destinadas exclusivamente a venda no local. No local mesmo, sem atravessadores, sem entrega à domicílio. Vegetais, verduras e frutas são colhidas e entregues na hora, diretamente do agricultor ao consumidor.
O conceito da horta de Cesare é justamente a de aproximar o cliente do alimento, mostrando como os vegetais foram cultivados antes de chegarem à mesa. Ali é possível observar tomates e berinjelas crescendo em campo aberto, sem forçar, com o método da agricultura biodinâmica, na total ausência de produtos químicos sintéticos. Não é sensacional?
Já os grãos – e aqui nos referimos particularmente ao trigo, é Daniela Brunetti quem está a frente não só do cultivo de forma biológica, mas da curadoria de variedades antigas difíceis de encontrar em outros lugares. É no Parque Pollino – o maior parque nacional da Itália – que florescem os campos de trigo da ex-engenheira espacial que decidiu fazer a diferença aqui na terra mesmo.
Daniela cultiva uma variedade impressionante de grãos, teneros e duros e poderíamos ter ficado uma semana na sua divertida companhia descobrindo mais sobre o universo da matéria-prima mais consumida no mundo.
Quantos tipos de trigo você conhece?
Só de grãos teneros, a fazenda produz quase uma dezena: Carosella Bianca, Frasineto, Gentilrosso, Verna, Inallettabile, Abbondanza, entre outras. A partir dos grãos moídos, apenas a farinha tipo 2 é obtida, permanecendo intacto o gérmen de trigo.
Com o trigo duro das variedades Senatore Cappelli e Turanicum, Daniela produz massa que passa por uma longa secagem a baixa temperatura, sem alterar o gérmen de trigo e os nutrientes da farinha.
Mas os grãos são apenas uma parcela do trabalho desenvolvido pela Fazenda Podere Collina del Vento. Com o objetivo de manter a biodiversidade agrícola, a empresa produz ainda leguminosas de variedades antigas, incluindo grão de bico e lentilhas e variedades antigas de peras que se transformam em deliciosas compotas usando apenas açúcar mascavo ou mosto de uva.
E os vinhos?
Não há região na Itália que não produza vinho! Mas se compararmos com a indústria do azeite oliva, a região norte da Calábria ainda dá os primeiros passos na produção da bebida. As uvas predominantes são Gaglioppo e Magliocco, a depender da região. Ainda seguindo o discurso bio, encontramos algumas vinícolas que iniciam agora essa trajetória com grande promessa para o futuro, a exemplo da Stamati.
Prêmio inovação
Entre hortaliças, vinhedos e lavouras que visitamos, quem ganhou mesmo o prêmio inovação foi Vincenzo Brunetti.
O que você acha da ideia de comprar carne pela internet?
A fazenda de Vincenzo, La Sulla, expede carne para toda Itália. É só fazer o pedido pela internet que dentro de dois dias você recebe em casa uma caixa com cortes de porco negro ou de vaca podólica frescos, embalados a vácuo. O cliente tem a opção de consumi-los imediatamente ou congelá-los.
Você está se perguntando por que alguém compraria carne ou salame pela internet?
A resposta é simples: qualidade.
Nos 7 hectares da fazenda, os animais são criados em estado selvagem; eles caminham livremente e se alimentam da rica vegetação mediterrânea e de árvores frutíferas. Além disso, as raças criadas na Sulla são autóctones e naturalmente resistentes a muitas doenças, sem necessidade de usar antibióticos ou outros medicamentos durante a reprodução.
Agora imagine você morando no centro de São Paulo e recebendo na porta de casa uma carne com essa qualidade. Quem vive em grandes centros não tem a mesma disponibilidade de acesso a produtos frescos e na maioria das vezes nem sabemos a procedência do alimento que ingerimos. Ao menos aqui na Itália, os consumidores já tem escolha.
Você conhece outras iniciativas como essa? Conte pra gente nos comentários!
Uma curiosidade sobre o gado Podólico é que ele preservou intacto um instinto primordial que é a reação natural de recusa do herbívoro a não comer carne. Isso permitiu que esta raça nativa sobrevivesse ao período da chamada “vaca louca”, porque eles nunca teriam ingerido farinha de origem animal (feita com resto de carne e ossos).
Além da carne em estado natural, Vincenzo também vende e envia carnes curadas feitas de acordo com as receitas tradicionais calabresas: salsicha, soppressata, nduja, capocollo, pancetta, entre outras.
Já do outro lado da ponta do pé da Calábria, quem transforma carne em iguarias da culinária calabresa é Nicola Romano. A proveniência da carne é também o ponto forte dos produtos feitos na Azienda Agricola Romano.
Romano só trabalha com carne biológica, de animais criados por ele e pelo irmão. Além disso, ele controla pessoalmente, milimetricamente todos os processos – desde o abate até a produção dos salames – para que saia tudo dentro dos parâmetros sanitários e de uma qualidade espetacular que nós comprovamos quando chegamos em “casa”.
A intensidade da pimenta é na medida, a gordura derrete na boca e o sabor da carne do porquinho negro criado solto depois de maturada é para italiano nenhum – nem os mais exigentes – colocar defeito.
Por último mas não menos importante: os Caseifícios da Calábria
Assim como vimos na Puglia, a Calábria também vive do leite. Empresas familiares, imersas na vegetação de Santa Sofia d’Epiro e do belíssimo Parque Nacional de Sila, criam gado leiteiro, cabras e ovelhas e o transformam em queijos frescos e envelhecidos.
O destaque desta vez foi para a giuncata, que vimos pela primeira vez apenas aqui na Calábria. Trata-se de um queijo fresco feito a partir da primeira coalhada, logo que ela se forma, excluindo, portanto, a etapa de fermentação da massa láctea. O resultado é um queijo bem cremoso, já que preserva toda a gordura do leite.
Já o caciocavallo silano produzido pela Bio Falcone é feito com leite cru e técnica de fabricação manual que foi transmitida por 4 gerações. Rosa Falcone molda 70 caciocavallos por dia, sem descanso. Mesmo com experiência de anos, Rosa nos constou que as mãos ainda sofrem com a água fervente, mesmo fazendo o uso de luvas.
Nossos primeiros dias pela Calábria foram intensos e muito ricos! Levaremos para sempre os nomes desses artesãos do alimento como referência na produção de comida orgânica, justa, saudável e muito, muito saborosa.
Nosso agradecimento especial ao Presidente e aos membros da Conduta Slow Food Pollino – Sibaritide – Arberia e a todas as empresas e pessoas que abriram suas portas e nos apoiaram nessa jornada pelos sabores da Calábria:
[su_box title=”Azienda Biosmurra”]
Villaggio S. Chiara, 1
87067 Rossano (CS) – Itália
Email: [email protected] [/su_box]
[su_box title=” Consorzio Produttori Colline di Cosenza”]
Via degli Ulivi,2- 87048 S. Sofia D’Epiro (CS)
www.collinedicosenza.wixsite.com/consorzio
www.facebook.com/OleificioBaffaStefania
www.leconche.it
www.olivebrandi.it [/su_box]
[su_box title=”Frantoio Figoli”]
Contrada Ogliastretti, 87064
Corigliano Calabro CS
www.frantoiofigoli.it [/su_box]
[su_box title=” Horto Biortilia”]
Via Britannia, 10
Rossano
www.facebook.com/biortilia
[/su_box]
[su_box title=”Azienda Podere Collina del Vento”]
14, Via Guicciardini
87075 Trebisacce (CS)
www.poderecollinadelvento.it/
[/su_box]
[su_box title=”Vinícola Stamati”]
Via Sparviere
Plataci
www.facebook.com/aziendaagricolastamati
[/su_box]
[su_box title=”Azienda Agricola La Sulla”]
S.P. 250 località Migliuzzi
87060 Paludi (CS)
www.lasulla.it/lasulla2/
[/su_box]
[su_box title=” Azienda Agricola Romano”]
C.da Giamberga – 87041 Acri (CS)
www.nerodicalabria.it/
[/su_box]
[su_box title=” Az. Agricola Agri Bio Falcone”]
C.da Velaci,20 – 87041 Acri, Cosenza (Calabria)
azienda-agricola-falcone.business.site
[/su_box]
[su_box title=” Azienda Agricola Cofone”]
c/da Velaci,1 – Acri
www.facebook.com/Azienda-agricola-Cofone
[/su_box]
Boa noite, preciso saber como se faz escaravalha, uma guloseima maravilhosa que minha sogra fazia.
Era feita com carne de porco. Ficava gordura e carne de porco e podia passar no pão e também estalar um ovo nesse merengue. Ela fazia também a gelatina com parte do porco com osso.
[email protected]
Grata,
Monica lenti
Oi Mônica! Com o nome de escaravalha não conhecemos e também não achamos em uma pesquisa rápida. Você sabe dizer se o prato era da Calábria mesmo? Talvez fosse de outra região da Itália? Seguimos procurando por aqui! Abraços, Dani e Vini