A gastronomia da Eslovênia em dose homeopática: brevíssima introdução

Uma passagem rápida pelo país que é porta de entrada para os Bálcãs

Nossa escapa para os países Bálcãs foi bem rápida, mas o suficiente para entendermos que a costa leste do mar Adriático merece ser descoberta com olhos atentos e com bastante calma.

Cruzando a linha fronteiriça que divide a Itália da Eslovênia, notamos que a paisagem começava a mudar. Não falamos da arquitetura, que é até bem parecida, uma vez que essa região já pertenceu à Itália e tem muito em comum com o país da bota. Falamos das belezas naturais, mais especificamente dos bosques. Enquanto na Itália uma cidade é pegada à outra – ainda que às vezes se trate de um pequeníssimo vilarejo -, na Eslovênia há quilômetros e quilômetros de mata, de vegetação intacta.

Para quem vive no Brasil ou em outros países do continente americano, a existência de mata pode ser um detalhe sem muita relevância, já que ainda encontramos muitos espaços verdes preservados (apesar das estatísticas de desmatamento preocupantes!).

Na Europa a coisa muda muito e depois de seis meses vendo apenas pastagens, solo cultivado e cidades, ver um pouco de verde reabriu nosso olhar adormecido para a natureza: como é bonita!

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A paisagem verde da Eslovênia
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Vinhas, oliveiras e muito verde na Istria Eslovena

Nessa época, em que o clima da primavera finalmente se revela, fomos agraciados com uma mata bem viva, de tantos tons de verde quanto se possa imaginar. E, para contrastar, mesmo ao longe era possível avistar pequenos cachos de flores brancas bem miudinhas.

“É a sambuca”, nos contou o esloveno Matja Butul. “Usamos a flor da sambuca para fazer suco, doces e outras preparações na cozinha”, explicou-nos enquanto nos guiava pelo seu quintal em Manžan, de onde se tem uma vista privilegiada do Monte Triglav e do Golfo di Capodistria.

Viver nas proximidades do mar Adriático é certamente um grande privilégio, mas o tesouro que encontramos não vinha do mar. Ele estava ali mesmo, no solo em que pisávamos e no microclima diferenciado que permite Matja e a sua família cultivar uma infinidade de ervas mediterrâneas, vinhas e as mais diversas árvores.

Como exemplo poderíamos citar os carvalhos ou as belíssimas cerejeiras que fogem muito da nossa realidade brasileira, mas são das oliveiras que nós nos enamoramos. Certamente seriam elas que nos fariam fincar raízes por essa região da Eslovênia.

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Sambuca: a flor é usada para fazer sucos e xaropes
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Inicia a florescência: lá vem as uvas!
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Cerejas vermelhinhas no quintal da família Butul

“Nossas oliveiras estão no ponto mais ao norte do globo”, disse Matja. Essa posição geográfica faz com que as oliveiras trabalhem duro para produzir as azeitonas que são colhidas no outono. O esforço da natureza é reconhecido na garrafa.

Tatjana, esposa de Matja, contou-nos que as azeitonas são levadas a um oleifício próximo, que extrai, no mesmo dia da colheita, óleo extravirgem de uma qualidade que provamos poucas vezes na vida. O sabor é suave, fresco, sem acidez e tudo o que você precisa é de um pedaço de um ótimo pão para acompanhá-lo.

Oleifício são os lugares nos quais o óleo é extraído da polpa da azeitona por processo mecânico. É possível encontrá-los por todos os lados na península de Istria.

“Análises químicas feitas com a nossa produção indicaram que o nosso azeite é sem erros, praticamente perfeito”, nos contou Tatjana, que tem na família a tradição de produzir o próprio azeite, assim como o próprio vinho.

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Domačija Butul: cercada de oliveiras

Tá sentindo uma pontinha de inveja?

Pois é, não é todo mundo que tem a felicidade de poder colocar o sobrenome na própria garrafa de azeite de oliva ou de vinho. Demais, não é?

Mas é claro que nem tudo é tão perfeito quanto parece. “Temos muito trabalho por aqui” foi a frase que mais ouvimos na nossa visita rápida à casa da família Butul. É que além de produzirem azeite e vinho, o casal e o filho comandam um agriturismo e um bed and breakfast, ou seja, uma pequena pousada e um pequeno restaurante. Trabalho realmente não falta por lá!

Porém, as recompensas são visíveis e a mais evidente é o contato direto com a natureza, cujos recursos a família sabe utilizar com sabedoria. Da lavanda, por exemplo, são feitas essências, cremes dermatológicos e xaropes. Das vinhas são produzidas garrafas de vinhos “orange” (Malvasia) e “black” (Refosco) – de longa maceração – além dos brancos e tintos.

Vinhos orange vêm ganhando cada vez mais destaque no mundo vitivinícola, mas na Eslovênia ele não têm absolutamente nada de novo. “Orange é considerado um vinho moderno, mas para nós é um vinho tradicional”, diz Matja.

Os vinhos Orange não tem nada a ver com a laranja, mas sim com a coloração que o vinho apresenta na taça. O resultado é fruto da utilização da casca de algumas variedades da uva branca que ficam em contato com o mosto durante a fermentação.  

Já das olivas são extraídos azeites que podem ter um gosto mais doce ou mais picante.

O mais doce (Pilj) é uma mistura de vários tipos de azeitonas diferentes, todas do quintal da Domačija Butul: leccino, pendolino, buga e bianchera estão entre elas. Já o mais picante (Hribi), feito apenas com a bianchera istriana, vêm da oliveiras que já pertenciam ao bisnonno de Tatjana.

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Degustando um vinho branco Butul
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Os azeites de oliva “without mistake”

Todo o restante vai parar na cozinha do agriturismo que é transformado em pratos “surpresa” pelas mãos do filho do casal, o jovem chef Czrt. “Cozinho com o que temos à disposição. Praticamente cada jantar que fazemos é um pequeno projeto. É difícil dizer qual será o cardápio de amanhã”, disse Czrt, complementado o que dizia seu pai de que 85% de tudo que é utilizado na cozinha é produzido na propriedade.

[Difícil não lembrar a preciosa chef panamenha Patrícia Miranda que vivia a mesma filosofia. Leia sobre a nossa passagem pelo Panamá clicando aqui!]

Falando sobre a gastronomia do país, o representante da nova geração de chefs eslovenos nos contou que “tudo o que se faz tradicionalmente no país provem de uma cozinha pobre”. Por outro lado, Črtz esclarece que no país se encontra uma quantidade enorme de produtos de altíssima qualidade porque tudo é produzido em pequenas quantidades.

“O óleo de oliva”, exemplifica ele, “nem convém fazê-lo refinado, não extravirgem, porque a produção de cada fazenda é muito pequena”.

Črtz também esclarece que a tendência dos últimos anos de porta a comida da horta à mesa sempre foi praticada naquela afortunada região. “Talvez fôssemos um pouco tímidos de mostrar essa prática, mas a temos desde sempre, até mesmo porque cerca de 70% de toda Eslovênia é bosque, é verde”, contou-nos com orgulho, dizendo pertencer a um dos países mais sustentáveis do planeta.

Outra característica indissociável da cultura eslovena – que obviamente se sente também na mesa – é o fato de estar no centro da Europa, com muita influência dos povos que dominaram essas terras em outras épocas, entre os quais podemos citar os italianos e os austro-húngaros.

Os pratos típicos da Eslovênia, por essa razão, acabam sendo interpretações de pratos provenientes dessas culturas, “combinando o entusiasmo balcânico com a organização alemã”, resumiu Črtz.

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Črtz na cozinha do Domačija Butul
Goulash | carne de panela cozida por horas | Delícia!
Batata com erva doce e outras ervas aromáticas
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Batatas com erva doce: doce combinação

Nossa visita acabou ao redor da mesa, compartilhando com a família e os amigos um belo prato de goulash acompanhado de batatas ao murro cobertas por folhas de erva doce. Ah, claro: teve também o precioso azeite de oliva e o pão de 48 horas de fermentação feito por Tatjana que levou “farinha” de aspargos silvestres.

“Aqui nada vai fora. Os pedaços duros dos aspargos silvestres que não podemos usar para cozinhar são secados e depois transformados em pó”, ensinou ela.

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Pão com aspargos silvestres
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Cerveja feita em casa: criação de Črtz

Nossa passagem pela Eslovênia foi muito rápida e deixou um gostinho de “quero mais”. Mas isso vai ter que ficar para depois. É hora de retornarmos à Itália e finalizarmos o nosso projeto por lá.

Sicília, aí vamos nós! Eslovênia, nos vemos novamente em breve!

[su_box title=”Domačija Butul” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Pasticceria Cagna”] Manžan 10/d, 6000, Koper, Eslovênia
www.butul.net
[/su_box]

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