Fomos ver de perto como é feito o queijo azul italiano
Menos conhecida que o queijo de mesmo nome, a cidade de Gorgonzola fica na região metropolitana de Milão e é possível chegar até ela facilmente de metrô. Não, Gorgonzola não é uma cidade turística e, talvez por essa razão, você – assim como a gente – não sabia que ela existia.
Com cerca de vinte mil habitantes, a cidadezinha é tranquila, agradável, bem convidativa a um passeio a pé, em volta do canal navegável de Martesana. Em função de seu desenho curvilíneo, o canal envolve a cidade e deixa a paisagem ainda mais bonita. Construído em 1457 como meio de transporte de mercadorias, em 1700 passou a ser utilizado também como meio para as pessoas trafegarem. Hoje o canal faz parte da história e do cenário da cidade.
Para quem chega à antiga ponte de madeira, bem perto da Biblioteca Cívica, encontra o parque público Sola Cabiati, um lugar super agradável, com fontes de água, belos jardins e mesas para fazer picnic.
Antes de fazer a merenda – como chamam os italianos-, a dica é comprar um bom pão em umas padarias artesanais da cidade e, claro, um belo pedaço de queijo erborinato para saborear ao final do passeio.
Queijo Erborinato?
Como já dissemos no post anterior, só pode ser chamado de Gorgonzola o queijo feito de leite de vaca pasteurizado produzido de acordo com o regulamento que disciplina a sua confecção. Todos os demais queijos do “tipo gorgonzola” que não passam por inspeção do Consórcio que fiscaliza a produção do Gorgonzola DOP são chamados de Queijo Erborinato.
Resumindo, é o mesmo queijo gorgonzola que conhecemos, mas sem uma certificação que garante ao final a qualidade do produto. Isso não quer dizer obrigatoriamente que os queijos Gorgonzola DOP sejam de maior qualidade que os queijos não produzidos segundo as diretrizes do regulamento. Por conta da padronização da produção, Gorgonzola DOP serão bons sempre! Mas a depender dos detalhes de produção, um queijo erborinati pode se igualar ou até mesmo superar a qualidade de um queijo gorgonzola certificado.
Para entender um pouco mais do processo de produção do queijo verde-azulado italiano nós fomos até a Fattoria Gorgonzolese, conversar com Cristiano Marazzi.
Produzindo queijos há dois anos, Cristiano nos contou que o queijo “tipo gorgonzola” confeccionado por ele é geralmente bastante maturado, com uma massa semidura de sabor intenso e picante, embora também produza o erborinato do tipo doce.
E aqui já abrimos o primeiro parênteses:
É possível encontrar queijo gorgonzola/ erborinato de dois tipos: o doce e o picante. O primeiro é mais molinho, com menor tempo de maturação e sabor mais suave. Para a sua elaboração é usado uma quantidade maior de fermento e o mofo utilizado é diferente do gorgonzola picante. O tempo de envelhecimento é menor, cerca de cinquenta dias. Já o picante apresenta consistência um pouco mais rígida, maior tempo de maturação (cerca de oitenta dias) e por isso, apresenta sabor mais intenso.
Como nasceu o Queijo Gorgonzola?
Cristiano nos contou que antigamente só existia o Gorgonzola do tipo picante, com a massa mais seca. O doce veio depois, nos anos seguintes, quando foi desenvolvido o mofo que tornou possível deixar a massa mais cremosa, com um tempo de envelhecimento menor.
Antigamente, o gorgonzola não levava fermento, nem mesmo o mofo que hoje são produzidos pela indústria química. O leite era trabalhado pela manhã e pela tarde, já que não havia geladeira para conservá-lo. O queijo feito manhã era colocado na parte inferior da forma que depois vinha preenchida com o leite ordenhado e trabalhado à tarde. O intervalo entre as elaborações e o ar que ficava entre as duas camadas desenvolviam o mofo e assim se originou o conceito de Gorgonzola. Hoje o processo de elaboração é diferente. O queijo erborinato não é mais resultado de um processo completamente natural, mas de uma transformação desenvolvida e controlada pelo homem.
A produção atual: diversas etapas, vários detalhes e muito trabalho
O processo de produção de erborinato na Fattoria Gorgonzolese começa cedo, com a recepção do leite fresco, que é ordenhado ali, há alguns passos do laticínio.
O leite integral é despejado em caldeiras de inox ou cobre e não passa pelo processo de pasteurização. “O leite é mantido cru, sem tratamento térmico porque a ordenha feita na fattoria segue procedimentos de higiene que resultam em uma carga de bactérias baixíssima. Além disso, o queijo passará por um longo período de maturação”, explicou Cristiano.
Nas caldeiras de inox o leite é aquecido somente a uma temperatura de 34º (massa crua), quando recebe o fermento e o mofo (Penicillium), que é o que vai dar o sabor característico a esse tipo de queijo. Então a massa deve repousar por cerca de 45 minutos para reativar o fermento lático que foi inserido.
Depois disso é inserido o coalho e cerca de 20 minutos depois a massa é talhada. O talho deve ser feito delicadamente, em pedaços grandes (de cerca de 8cm²), para formar, ao final, um queijo mais macio (quanto menor o talho, mais enxuto será o queijo). Com mais 40 minutos de repouso, a massa deve estar pronta para a elaboração.
Nesse tempo, o soro sobe e então a massa vem talhada de baixo para cima, sempre de forma manual e delicadamente. Depois é a vez de colocar os pequenos glóbulos de leite sobre um pano para escorrer o soro excedente e logo depois enformá-lo.
Passado um par de horas, é feito um buraco na peça para verificar o nível de acidez do soro que permanece no interior do queijo. Cristiano chama essa fase de “etapa de acidificação”. Quando atinge o pH desejável, o queijo é levado para repousar em temperatura baixa por uma noite e no dia seguinte ganha uma camada de sal grosso, cuja quantidade é medida “a olho”, diz Cristiano.
“Dosamos o sal de acordo com o tipo de queijo, da espessura, da consistência. Conhecemos o produto, sabemos quanto deve ser salgado com base na nossa experiência. Quanto mais dura a massa, por exemplo, mais sal devemos colocar, uma vez que a quantidade de sal que ‘entrará’ no queijo será menor que em um queijo de massa mole”, afirma ele.
Depois a forma é levada para uma pequena estufa onde permanecerá a uma temperatura de 24ºC, com 90% de umidade a fim de que o fermento se reative e comece novamente a inchar a massa e expulsar o soro restante.
Aproximadamente 3 dias depois, o queijo é novamente colocado em temperatura fria e dez dias depois a peça de queijo é furada em uma das faces. Dez dias depois, a outra face vem furada e o processo se repete em cada um dos lados, toda semana. Quanto mais buracos tiver o queijo, mais verdinho ele ficará.
Durante o processo de envelhecimento, o queijo é escovado manualmente a cada dez dias.
Como se vê não é simples fazer um queijo gorgonzola! O queijo erborinato de Cristiano chega maturar até um ano. E para fazer uma forma do queijo de aproximadamente 15 kg são necessários 100 litros de leite!
Da prova do queijo erborinato feito por Cristiano, maturado por seis meses, Vinicius não parava de repetir: “que queijo é esse?!” O sabor fresco, com picância nem muito acentuada, nem muito atenuada, volta e meia é lembrado nas nossas conversas pela estrada.
O que diz o regulamento?
Apesar da cidade de Gorgonzola ter conferido o nome do queijo azul italiano, segundo o regulamento que prevê as características e o processo de produção de um Gorgonzola DOP, ele pode ser feito em uma extensão muito maior, incluindo duas regiões da Itália: Lombardia e Piemonte, e especificamente as províncias de Bergamo, Biella, Brescia, Como, Cremona, Cuneo, Lecco, Lodi, Milão, Monza, Novara, Pavia, Varese, Verbano-Cusio-Ossola, Vercelli e alguns municípios específicos da Alessandria.
Segundo a normativa, para obter a marca da Denominação de Origem Protegida, o queijo também deve ter algumas características muito específicas:
- forma cilíndrica com faces planas;
- altura mínima de 13 centímetros;
- diâmetro total entre 20 e 32 centímetros;
- casca, não comestível, cinza ou rosa;
- massa interna de cor branco-palha, manchada devido ao desenvolvimento do mofo e com veios característicos, de cor azul esverdeados.
- percentagem mínima de 48% de gordura.
Para a produção de um Gorgonzola DOP – diferentemente do que faz Cristiano – o leite deve ser pasteurizado. O tempo de envelhecimento mínimo, segundo o regulamento é de 50 dias, quando o queijo permanece em um ambiente e com temperatura entre 2 – 7 °C e com umidade relativa de 85-99%.
Uma curiosidade que o regulamento não fala: o cheiro característico do Gorgonzola é provocado por bactérias do gênero Brevibacterium linens, as mesmas que causam o cheiro de chulé.
Algum problema pra você? Pra gente não tem problema não!
O leite da Fattoria: KM Zero
Entre uma etapa e outra da fabricação do Erborinati, Cristiano nos convidou a conhecer a parte da empresa que cuida da produção do leite. Nos já havíamos visto vaquinhas sendo ordenhadas na casa de campesinos, em pequenos criadores de vaca leiteira, mas do tamanho e nos moldes da Fattoria Gorgonzolese foi a primeira vez.
O laticínio é, na verdade, um braço de uma grande empresa especializada na produção de leite, contando com uma planta com 400 vacas leiteiras. Só há dois anos a empresa passou a transformar uma pequena parte da matéria prima em deliciosos derivados do leite.
A maior parte da produção vai parar em outros laticínios da cidade e da região. Andrea Balconi, sócio-proprietário e responsável pelos animais, nos contou que as vacas são da raça frissone italiana e em média as vaquinhas dão 42 litros de leite ao dia cada uma, mas algumas chegam a dar 70 litros num só dia.
As vacas são ordenhadas com modernos sistemas robóticos. Cada vaquinha carrega um chip que é monitorado o tempo todo. Através desse sistema é possível saber, por exemplo, quantas vezes a vaca foi ordenhada num dia, e quando cada uma das suas quatro tetas produziram de leite. Segundo Andrea, o sistema reduz o estresse dos animais graças aos frequentes momentos de ordenha que ficam à disposição do animal 24 horas por dia. Quando a vaca sente necessidade, ela naturalmente procura pelo robô que retira o leite com sistema totalmente automatizado. Assim que a vaca chega perto do estábulo, raios infravermelhos localizam as tetas, fazem a higienização com um produto desinfetante para evitar a contaminação de qualquer tipo de patologia e começam a tirar o leite. O líquido é carregado através de tubos até um depósito de aço inoxidável refrigerado e em momento algum recebe contato humano.
Andrea garante que o sistema confere uma situação de bem-estar ao animal, que estão livres para decidir quando será feita a ordenha. Além disso, o mapeamento dos animais permite acompanhar hora a hora os dados sobre como anda a ruminação, a ordenha e a mobilidade dos animais. O fato de estar automatizado permite que eles se concentrem no cuidado dos animais. Quando há qualquer sinal de que o animal não está bem – a exemplo de quando o leite ordenhado apresenta temperatura acima do normal -, o software avisa e eles intervém prontamente para verificar o que acontece.
Impossível não se impressionar com a mecanização do processo de criação e ordenha dos animais.
Ficamos nos perguntado: qual seria a reação de mama Victoria – que ordenha diaria e manualmente suas vacas no interior do Peru – diante de toda essa tecnologia?
[su_box title=”Fattoria Gorgonzolese” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Pasticceria Cagna”] Cascina S.Antonio
20064 Gorgonzola (MI)
http://www.fattoriagorgonzolese.it[/su_box]
Gostaria de ter a experiencia de ver de perto todo esse processo..Voce poderia por gentileza me indicar alguns laticinios no norte da Italia para visitação e degustação?
Desde ja agradeço a informação
gostaria de saber o que fazem com os bezerros “legítimos donos” do leite?
Olá
Poderia por gentileza me indicar alguma queijaria de gorgonzola onde pudesse conhecer e fazer degustação?
Desde já agradeço
Carla