Acordamos bem cedo para chegar na fazenda da Dona Victoria com os primeiros raios de sol. Edilberto Soto tinha um compromisso importante. Pegar Joon no aeroporto, um coreano interessado em importar as batatas andinas para a Coreia do Sul.
Combinamos de nos encontrar direto na fazenda e assim o fizemos. Subimos as montanhas novamente e quando atingimos um pouco mais de 3600 metros chegamos a casa de Victoria.
Com seus trajes tipicamente peruanos ela nos recebeu, pediu para aguardarmos seu filho e logo seguiu em direção as suas vaquinhas falando quéchua com um dos seus ajudantes.
Não demorou para que Edilberto chegasse com o coreano, seu tradutor, e pãezinhos quentinhos do forno secular de Ayacucho. Nosso café ainda teve queijo fresco produzido ali mesmo na fazenda. Estávamos no paraíso.
Logo depois do café, fomos conhecer as plantações de batatas. E de quinoa e de quinoa negra. Conhecemos um pouco do processo de cultivo e vimos as mais belas batatas. Roxas, amarelas, marmoreadas…uma diversidade de batatas e outros tubérculos, mais precisamente 950 tipos de batatas, ocas, mishas, ollucos.
A colheita só se dá a partir do mês de maio, mas mesmo assim conseguimos ver uma incrível variedade de tubérculos que nascem nas terras da finca de Dona Victoria.
Depois do passeio pela fazenda era hora de ordenhar as vacas. Victoria estava lá com toda sua habilidade extraindo o leite do qual é preparado o queijo fresco que comemos no café da manhã. Vinicius e eu tentamos ajudar, mas a participação foi uma lástima. A minha mesmo foi um completo fracasso. Vendo, até parece fácil, mas na prática exige técnica ou …experiência. Victoria nos contou que faz isso desde os 5 anos de idade. No auge dos seus 72, você pode imaginar a facilidade que ela tem para fazer isso.
Se não era possível ajudar com a ordenha era possível preparar algo para a família que nos acolhia. Fomos colher cogumelos próximos aos pinheiros que cercam os campos de batatas. Cogumelos frescos!
Mas antes de prepará-los aprendemos a fazer Qapchi, outra receita, tipicamente peruana, tipicamente da região da serra. Um creme a base de queijo que se come com as batatas, é claro!! É só partir as batatas com as mãos e colocar, a cada bocada, um pouco do creme por cima. Simplicidade tamanha que as palavras não conseguem exprimir todo sabor da junção da batata selvagem andina com o creme feito com o queijo do leite ordenhado no dia anterior.
A responsabilidade de preparar os cogumelos acabava de aumentar! Aumentava também uma sensação de mal estar. Eu, Dani, não havia acordado boa e ao longo do dia a coisa foi ficando pior. Sim, o estômago rejeitou alguns dos preparos exóticos do dia anterior e se agravou quando ultrapassamos os 3600 metros de altitude.
Pedi que Vinicius abrisse nossa cama e fui me deitar. Enquanto isso muita, mas muita coisa aconteceu… um leitão de 150 kg foi abatido para as festas de Natal.
Duas irmãs de Edilberto se juntaram ao pessoal da fazenda para abater o porco e deixar os cortes preparados para fazer no dia 25 de dezembro.
Muito trabalho veio pela frente…limpar, destrinchar, fazer a banha, etc, etc.
Em meio a tudo isso, já no meio da tarde, Vinicius preparou deliciosas batatas andinas recheadas com os cogumelos colhidos pela manhã. Nessa hora, eu, um pouco melhor, me levantei e tratei de ajudar a fazer os queijos. Fui para o laticínio com muito mais experiência que quatro meses atrás. Afinal, já havíamos visitado um produtor de queijo de cabra e outro de queijo de búfala. O processo é semelhante, mesmo no Peru.
Oscar, o funcionário da fazenda responsável pela fabricação me orientava nas etapas. Foram algumas horas escorrendo, peneirando, enformando e prensando os queijos que ficariam prontos já no dia seguinte. Não há a etapa de maturação. O queijo é consumido fresco, assim como é conhecido o nosso queijo minas mais tradicional.
A essa altura o sol já baixara e a temperatura foi despencando conforme os minutos passavam. Mas o dia ainda não havia terminado. Uma última tarefa nos foi dada. Despedaçar batatas desidratadas em partes pequenas para o preparo do prato mais exótico que comeríamos até então, o chuño. Mas isso seria só na manhã do dia seguinte, depois que os pedaços de batatas ficassem de molho na água durante toda a noite.
O dia teve tantas aventuras, aprendizados e atividades que passou voando… e mal podíamos acreditar em tudo que ali vivemos. Nem parecia verdade. Entrar na rotina de uma fazenda às vésperas do Natal, com uma família que ao comando de mama Victoria cultiva e celebra tradições milenares, foi um verdadeiro presente pra gente. Um dia que não esqueceremos jamais!
[Tem cenas da nossa fantástica aventura na fazenda mama Victoria no YouTube! Assista!]