Nossa jornada gastronômica pelos alpes italianos nos mostrou que o avanço tecnológico pode ser um grande aliado da preservação da cultura gastronômica tradicional.
Cercada pelos Alpes, a belíssima região da Itália que faz divisa ao norte com a Suíça e a oeste com a França possui um modo de viver particular, com respeito ao passado, mas com olhar no futuro.
Em Donnas, a cidade que é porta de entrada para o Vale, o trilho do trem de alta velocidade pode ser visto da parte preservada da estrada romana que foi construída entre 31 e 25 a.C para interligar o que hoje é a Itália e a França.
Castelos e Fortes que foram visitados por Napoleão Bonaparte na garupa de um cavalo, hoje recebem a visita de três milhões de turistas todos os anos (alguns vindos de outro continente com o próprio carro!).
Estações de esqui e monumentos históricos contrastam com o estilo de vida simples e tranquilo das pequenas cidades, para não dizer minúsculas.
Vilas com menos de mil habitantes são comuns no Vale e são nelas que a atividade campesina, rara, persiste. O terreno íngreme, o clima rigoroso e a oferta de emprego em atividades menos desgastantes afastaram as famílias do campo. Só os heróis sobreviveram.
Curiosamente, o cenário cheio de castelos e vinhedos que faz parte da vida do campesino valdostano foi locação para o longa “Avengers: Age of Ultron”, o filme de super-heróis da Marvel.
Contudo, diferente da ficção – onde o local fica completamente destruído -, a batalha diária dos que ainda subsistem da terra é pela manutenção do território e do patrimônio paisagístico. Na vida real, o desafio está em proteger as tradições alimentares e garantir que as novas gerações tenham acesso ao patrimônio imaterial gastronômico tal como era encontrado antigamente.
Já vimos esse filme antes, não é mesmo?
Em nossa passagem pelo Vale, pudemos conhecer alguns dos produtos típicos da região e aprender como os italianos se valem do avanço tecnológico e das regras do jogo capitalista moderno para manter suas tradições.
A geografia e os produtos típicos do Vale de Aosta
O clima de montanha definitivamente nos remete ao irresistível casamento “queijos e vinhos” e não temos dúvida de que esse matrimônio foi celebrado nos Alpes.
Falando exclusivamente do lado italiano da cadeia montanhosa, o cenário de fundo se confunde com as riquezas gastronômicas da região. Nas encostas, por exemplo, parreiras assumem o lugar dos bosques e se mesclam às residências dos locais. Já na parte mais alta da montanha, os estábulos – que protegem os animais do frio rigoroso – se misturam às pistas de esqui.
E é desse sincretismo que nascem os produtos característicos do Vale da Aosta: queijos, vinhos e também os derivados da charcutaria. Por conta do clima e do terreno, a menor e mais montanhosa região da Itália tem a atividade agrícola essencialmente voltada para a pecuária.
Em relação aos vegetais, é possível encontrar uma pequena produção de batatas, peras e maçãs, além das uvas para a fabricação de vinho. Castanhas e nozes também são cultivadas, ainda que em pouca quantidade.
Antigamente, as nozes eram usadas para fazer azeite, que acabou sendo substituído depois pelo azeite de oliva e pela manteiga. Algumas empresas têm feito o trabalho de resgatar essa tradição e recolocado a iguaria no mercado.
Ervas típicas do microclima de montanha, como o genepy, o zimbro, a stella alpina e o dente de leão são usadas na maturação dos presuntos crus e/ou na infusão em destilados, em especial, na grappa.
Já os quatro produtos mais característicos do Vale são provenientes da atividade pecuária: os queijos Fontina e Fromadzo; e as carnes maturadas, Lard d’Arnad e Jambon de Bosses.
Os nomes – um pouco estranhos aos ouvidos brasileiros – são um reflexo do sincretismo cultural da região. Os produtos foram batizados um pouco em italiano, um pouco em francês e, ainda, em Patois, o dialeto valdostano.
As empresas familiares e o seu papel na manutenção das tradições
Quem saiu do campo e se aventurou na indústria também teve que se adaptar aos novos tempos. Hoje, os processos de produção de alimentos tradicionais da região como geleias, queijos e embutidos utilizam grandes maquinários industriais, outra marca registrada da Itália.
Só pra lembrar, foram os italianos que inventaram o modo de servir café rápido e instantâneo à clientela. A máquina de café expresso modificou o hábito consumidor dos italianos e revolucionou o modo de servir café em todo o mundo.
Nós não tivemos o prazer de encontrar no Vale um produtor que poderíamos chamar de artesanal, da forma como estamos acostumados a ver na América Latina. Poderíamos propor uma discussão interminável sobre o que é artesanal, mas parece bastante óbvio que a maior parte da manipulação, da elaboração e do envase do produto devem ser feitos manualmente, o que não é mais uma realidade habitual na região.
Segundo o Dicionário Michaelis, artesanal é tudo o que é “Feito pelos processos tradicionais, individuais e manuais, em oposição à produção industrial.”
Em contrapartida, vimos que os processos industriais estão a serviço das receitas tradicionais e dos produtos típicos cultivados no território. Fundadas há décadas por famílias tradicionais da região, as empresas alimentícias do Vale se adequaram aos novos tempos, introduzindo tecnologia, porém mantendo firme o propósito de oferecer o mesmo produto que seus nonos e bisnonos costumavam fazer em casa.
A introdução de meios mecânicos na elaboração dos produtos italianos diminuiu o desgaste físico e permitiu o aumento da produção, mas absolutamente não eliminou a sua qualidade, característica que os italianos conhecem bem, se orgulham e preservam acima de tudo.
Onde encontrar os melhores produtos típicos da região
Como já dissemos antes, não espere encontrar facilmente um pequeno produtor ordenhando vacas e fazendo queijos ou uma senhorinha fazendo compotas no Vale de Aosta. O que você encontrará são pequenas, médias e grandes empresas prontas para atender o turista e mostrar, com muito orgulho, os produtos típicos da região.
Muitas delas permitem a visitação da fábrica e a degustação dos produtos ali mesmo, uma atração interessante e muito saborosa.
La Valdôtaine
A empresa que nasceu em 1947 como uma pequena destilaria hoje produz também um dos melhor presuntos crus italianos. O presunto cru Saint Marcel é feito com base em uma antiga receita descoberta há algumas décadas pela família fundadora. O presunto é maturado com uma mistura de ervas da montanha. O sabor é inigualável. Em boca, o presunto suave e macio derrete antes que você se dê conta.
Os destilados da casa não são menos impressionantes ao paladar. A grappa ganha versões com ervas dos alpes, como a achillea e o ginepro (zimbro), além das puras, feitas com as uvas dos principais vinhos DOC valdostanos. Entre os licores da casa está o famoso Genepy, a bebida mais tradicional do Vale, feito da infusão em álcool da Artemisie, uma erva cultivada sobre as montanhas entre 1900 e 2000 metros de altura. Pra quem gosta de uma bebida um pouco, mas não exageradamente doce, o Ratafià, um licor de cereja, é a pedida certa.
Em sua passagem por Saint Marcel não deixe de visitar o antigo e ainda em funcionamento alambique da Valdôtaine: é o mais bonito que já vimos.
[su_box title=”La Valdôtaine” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]Località Surpian
11020 Saint Marcel (AO)
Tel.: (+39) 0165 76 89 19
[email protected]
www.lavaldotaine.it
Horário: Segunda a Sexta: 8:30h-18h Sábados e Domingos: 10h-19h
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Bertolin
A empresa com mais de 60 anos de história é o melhor exemplo de que uma tradição pode ser preservada de mãos dadas com a inovação. Um pequeno açougue inaugurado pelo casal Guido e Osvalda Bertolin no pós-guerra se transformou numa empresa de 2500 m² reconhecida internacionalmente pelo seus embutidos e, principalmente pelo Lard d´ Arnd DOC. A gordura de porco maturada em alho, sálvia, alecrim, folha de louro e outras ervas respeita o processo de elaboração de outrora, salvaguardado pela normativa de produção do Valle d´Aosta Lard D´Arnad. A encargo dos netos dos fundadores, hoje a empresa é referência na charcutaria italiana. Visita indispensável para quem gosta de preparos com carne maturada. Vidros separam a área de produção dos visitantes e o processo pode ser visto de pertinho todos os dias.
[su_box title=”Bertolin” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]Loc.Champagnolaz, 10 – 11020 Arnad (AO) ITALIA
Tel. +39 0125 966127
[email protected]
www.bertolin.com
Horário: Segunda a Quinta: 09:00 – 12:00| 14:30 – 19:00
Sexta a Domingo: 9h -19h[/su_box]
La Fromagerie Haut Val d’Ayas
A Sociedade Cooperativa que fica cravada no meio das montanhas de Brusson é a expressão moderna do que um dia foram as fábricas de laticínios locais. Hoje, o leite rico tirado das vacas nativas chegam à Formagerie de quarenta pequenos produtores, todos os dias. Ali ele é transformado em queijos e laticínios genuinamente valdostanos. Entre os trinta tipos diferentes de queijos, dois merecem destaque: o Fromadzo DOP (14,30€/ kg) e a Fontina DOP (15,60€/kg). O primeiro é um queijo feito com leite de vaca e cabra semi-desnatados, enquanto o segundo é mais gorduroso, feito de leite cru, inteiro, próprio para fazer a Fonduta, o fundue italiano.
[su_box title=”La Fromagerie Haut Val d’Ayas” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]Rue Trois Villages, 1
11022 Brusson AO
+39 0125 301 117
[email protected]
www.fromagerie.it
Visita na fábrica e degustação custa €6,00 por pessoa (mín. 8 pessoas, mediante reserva no site)
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Alpenzu
Parada obrigatória para quem quer levar a típica fonduta para casa. A Alpenzu elabora a tradicional fonduta com o queijo Fontina DOP, sem corantes e conservantes. É praticamente um fundue no pote. Em casa, basta acrescentar um pouco de leite, esquentar a fonduta e degustar o prato mais típico dos alpes italianos.
[su_box title=”Alpenzu” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]11020 Arnad (Aosta) Italy
Tel. +39 0125.921093
[email protected]
www.alpenzu.com
Horário: Segunda a Sexta – 8.00 – 12.00 / 14.00 18.00
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Caves Cooperatives de Donnas
O DOC Valle d’Aosta – Vallée d’Aosta é a única denominação de origem presente em toda a província, porém ela possui 31 sub-denominações referentes a áreas específicas de cultivo ou videiras e tipos específicos de produção de vinho. O vinho Donnas foi o primeiro a obter esse reconhecimento em 1971. Nesse mesmo ano, um grupo de viticultores constituiu uma Cooperativa com o objetivo de proteger e garantir a qualidade e autenticidade do vinho da pequena cidade de 3 mil habitantes. Sua característica principal está na forma de cultivo da uva, em pérgolas ao invés de fileiras, nas encostas montanhosas do Vale. A sugestão é degustar um Donnas Supérireus Vielles Vignes, um vinho envelhecido por pelo menos 20 meses em barris de carvalho, derivado de uvas Nebbiolo ligeiramente secas, colhidas em novembro em estágio avançado de maturação (38,83 €)
[su_box title=”Caves Cooperatives de Donnas” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]Via Roma, 97
11020 DONNAS
0125/807096
[email protected]
www.donnasvini.it
Horário: Segunda à Sábado: 9:00 – 12:00 / 14:00 – 17:00
Domingos: 9:00 – 12:00 / 15:00 – 18:00
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