Acordamos com relâmpagos e trovões perto das cinco da manhã. Logo uma chuva forte caiu. O período de chuvas no Norte está atrasado. Segundo os locais, a primeira chuva que inicia esse ciclo cai no dia dois de novembro, mas, nesse ano, São Pedro saiu do cronograma. Então a chuva que caiu durante a madrugada, apesar de ter levado apenas uns quarenta minutos, foi comemorada pelos passageiros do Barco.
Tomamos nosso café dentro do carro. Vinicius passou boa parte do tempo no carro, trabalhando. Eu, Dani, passei o dia no convés com ar condicionado lendo e estudando nossos próximos passos. Algumas pessoas haviam descido em uma parada no meio da noite e consegui achar uns ganchos para pendurarmos nossa rede.
O dia foi clareando e as pessoas despertando. A movimentação dos banheiros era intensa, mas muito ordeira. Mulheres penteavam seus longos cabelos e passavam colônia que tomavam conta do ambiente por alguns segundos. Os celulares voltavam a funcionar no “modo barco”, isto é, com o volume de mídia de médio pra bem alto. Mas, repito, a ordem e harmonia reinavam, talvez mais até do que em um Boing 747 que cruza o atlântico.
Mas a calmaria estava com as horas contadas: lá pelas nove da manhã fizemos uma parada longa no Porto de Parintins. Nessa hora, uma centena (ou quase isso) de vendedores entraram no barco e passavam por entre as redes oferecendo tudo quanto é tipo de comida: bolo de macaxeira (R$5,00 duas fatias); queijo manteiga (R$10,00 a peça), sacolas com bolinhos de trigo (R$2 sacos por R$5,00); pão caseiro (R$2,00 cada) e até pupunha cozida pronta para comer (R$5,00 o saco que devia ter meio quilo).
Não, não compramos nada. Mas era fácil saber os preços porque todos em volta compraram alguma coisa.
E foi nessa muvuca toda conheci Marciela, a moça que hospedava a rede ao meu lado e que gentilmente me ofereceu a pupunha que acabava de comprar. Passamos o dia todo lado a lado, dividindo, entre uma leitura e outra, histórias e curiosidades das nossas vidas.
E foi depois do almoço que dividimos a mesma história: O furto de um celular a menos de 5 metros das nossas redes. O celular estava carregando sobre uma cadeira e sem que alguém desse conta, foi levado sorrateiramente por alguém que certamente já havia feito aquilo antes.
A tranquilidade do barco havia ido embora de vez. As pessoas se aglomeraram em volta da dona do celular que enfurecida queria encontrá-lo a todo custo. O pessoal da tripulação veio fazer o registro da ocorrência. Tudo isso logo ali, diante dos nossos olhos.
Eu estava lendo, estudando nossos próximos passos; outra pessoa escutava música com fones de ouvido; outra estava dormindo….e assim ninguém notou o sumiço do celular!
Meia hora depois ou mais, alguém encontrou a capinha do celular no banheiro feminino. Em seguida trouxeram o aparelho à dona. Ele estava embalado em papel alumínio “pra que o rastreador não funcionasse“, segundo os amazonenses do redário. Ele foi amarrado em um saco plástico e jogado para o lado de fora da janela do banheiro. Certamente seria pego ao final da viagem, mas o ladrão não teve sorte dessa vez.
Tudo resolvido – ainda que o delituoso não tenha sido identificado – a vida seguiu seu curso dentro do barco.
Jantar anunciado, oração da família reproduzida, luzes acesas.
O pôr do sol anunciava a chegada da noite e nós nos recolhemos para nossa casinha.