E o que o movimento tem a ver com a nossa renúncia em provar chiles en nogada
Hoje foi dia de projetarmos mais num sonho: voltar ao México para provar Chile en Nogada, o prato típico dessa região do México que não pudemos conhecer.
O prato é sazonal, só é servido entre os meses de julho e setembro e nem adianta tentar achá-lo fora desse trimestre. Ah vai, até acha, mas será um chile en nogada enganoso, segundo a definição dos próprios pueblanos que aguardam ansiosamente por essa época do ano.
A sazonalidade está nos ingredientes, que para os mexicanos são cruciais na hora de preparar o tradicional prato de pimenta recheada com picadinho de carne de gado e de porco com frutas da estação (pêssego, maçã, pera e romã). O molho que cobre o chile é feito com nozes de casquilla que também só se encontra no verão do hemisfério norte.
Aí a gente fica pensando que nem é tão difícil encontrar essa frutas e nozes mesmo em outra época do ano. Hoje tudo é importado, cultivado em ambientes controlados para que produzam a qualquer tempo. Por que se limitar a ter um alimento apenas em um curto espaço de tempo?
Antigamente melancia era fruta do calor, pra comer na praia, durante as férias de verão. Hoje já é possível encontrá-las em outras estações. Isso porque a gente quer tudo aqui e agora. Não queremos mais esperar, não temos tempo a perder. Queremos saciar o desejo imediatamente. É possível que grande parte das pessoas não façam ideia de quando é época de bananas, tomates ou cebolas já que no supermercado há oferta desses alimentos todos os dias do ano e não temos mais contato direto com o produtor.
O problema disso é que, ao termos tudo fácil, a qualquer tempo, perdemos a noção do valor, do motivo, da história por trás das coisas que consumimos. O imediatismo tira a graça, tira o sentido e coloca uma pá de cal na consciência: por que mesmo temos que nos limitar a ter um alimento em um curto espaço de tempo?
Como tudo na vida a natureza tem seu ciclo. É necessário um período de incubação, de crescimento, amadurecimento para chegar à produção. Tudo ao seu tempo e não ao nosso desejo.
Dá pra fazer chile en nogada fora de época? Claro que dá, mas implicaria num custo ambiental enorme. Seria burlar as regras da natureza e a receita original que os mexicanos fazem questão de respeitar.
Diante disso, que papel estaríamos exercendo se comprássemos o prato congelado ou preparado de maneira enganosa só para satisfazer nossa curiosidade investigativa? Estaríamos contribuindo para o fortalecimento da industrialização, da manipulação dos alimentos, do comércio que só visa lucro. Ainda estaríamos enfraquecendo uma tradição tão bonita e que, sim, tem um porquê.
Pensar antes de comer, o que comer e onde comer é uma das bandeiras do movimento Slow Food. O ato de comer é um dos atos políticos mais significativos que praticamos, mas se não estivermos atentos, não nos damos conta da sua importância.
Nessa segunda-feira conhecemos Alfonso Robles, María Regina Ortiz e Horacio Torres, as pessoas que estão atrás da liderança do movimento Slow Food no México, um dos países mais ativos quando o assunto é comida lenta. Poder trocar ideias com pessoas tão lúcidas dos seus papeis nesse mundo em que muitos vivem sem propósito nos dá ainda mais força para seguirmos nossa trajetória em busca da tradições, dos ingredientes locais e dos profissionais e estabelecimentos que tem papel fundamental no resgate desses elementos.
E por falar em tradições, não é possível ir à Puebla e não provar o mole mais famoso do país. O mole poblano é, ao ao lado do chile en nogada, símbolo de uma culinária rica, conservada e difícil de ser replicada em outros lados. A quantidade de ingredientes para se fazer um mole poblano varia de receita para receita, mas pode chegar a mais de 30. Chiles ancho, mulato, pasilla, chipotle, chocolate, tomate, banana, nozes, passas, gergelim, amêndoas, cravo, canela, salsinha, cebola e alho são os ingredientes mais comuns.
Regina e Horácio nos levaram a um restaurante típico no centro de Puebla onde pudemos provar não só o mole pueblano, como o pipián verde, o pipián rojo (amendoim, tomate e chiles secos), o adobo (puros chiles secos e especiarias) e manchamanteles (chile ancho, guajillo, maçãs, abacaxi, banana e sementes): uma pequena e rica degustação dos mais apreciados moles da região de Puebla.
Os tipos de moles variam conforme a maior ou menor quantidade de determinado ingrediente. O pepián verde, por exemplo, é majoritariamente feito com a semente da abóbora e chile verde. O nosso preferido foi o pepián rojo, docinho, apimentadinho e com sabor não tão tostado.
Depois vieram os doces e resistir as tentações espalhadas por uma rua chamada “calle de los dulces” não foi nada fácil. Um lugar em que concentra doces de todas as formas e tamanhos, biscoitos e pães, mas que acabam por repetir a fórmula banha de porco, farinha, rapadura e/ou açúcar. Os mais elaborados ganham leite de cabra (a cajeta), batata doce e frutas.
A variedade é tão grande que calculamos ser preciso ficar um ano em Puebla para conhecer todos os doces vendidos no centro da Cidade. É claro que não vamos poder fazer isso, então selecionamos três nesse universo de açúcar para provarmos: doces de Santa Clara, uma herança das freiras do Convento de mesmo nome; Camotes Poblanos, feito com batata-doce e Mueganos de Tehuacán, uma bolachinha feita com leite, ovos, farinha, manteiga vegetal e rapadura.
Depois de tanto açúcar, a energia estava a mil. Voltamos para casa do chef Alexandro, onde ficamos hospedados em Puebla e lá nos pusemos a gastar as calorias trabalhando no projeto. Era nosso último dia em Puebla e novamente sentimos que o tempo foi insuficiente. Mas voltaremos, certamente voltaremos para provarmos chiles en nogada, saborearmos outros doces pueblanos e para revermos os amigos que fizemos nessa terra tão encantadora.