A criatividade efervescente dos chefs de Puebla
Liberdade de expressão. Cozinha criativa. Gastronomia livre. Assim poderiam também chamar a tão aclamada cozinha de autor.
Aqui no México, onde as receitas tradicionais são muito aclamadas e levadas super a sério, ter licença para sair da caixa é um passe livre para usar os zilhões de ingredientes que provém dessa terra – em que (quase) tudo cresce – em preparações inovadoras.
Nesse domingo tivemos experiências com a cozinha autoral de dois jovens chefs que colocam a criatividade para trabalhar a favor dos clientes dos restaurantes Picheychef e Na’an, o primeiro em Puebla, o segundo em Cholula.
Conhecemos primeiro Daniel, chef e proprietário do Pincheychef, um restaurante nem pequeno nem grande, na medida certa para ser aconchegante sem se tornar impessoal. Depois de dez anos vivendo fora do país e trabalhando em vários restaurantes da Espanha, Londres e Estados Unidos, Daniel regressou ao México e abriu seu próprio negócio, uma cozinha de autor que representa sim a cozinha mexicana porém em preparos não tradicionais.
Para abastecer a cozinha e dar vida aos seus preparos, Daniel inciou há um ano o cultivo de um horto, atividade que vem ganhando cada vez mais atenção nas horas do seu dia. “Eu me interessei neste tema porque como cozinheiro realmente a minha formação é da mesa para frente. Muitos cozinheiros não sabem como é uma planta de tomate, algo tão básico, não sabem distinguir salsinha de coentro”, comenta preocupado com os profissionais que estão no mercado.
A atividade extra do chef garante que os produtos utilizados no Pincheychef sejam frescos, orgânicos e, claro, mais saudáveis e saborosos.
O cardápio é enxuto e valoriza carnes de gado, porco e cordeiro. Mas há sempre opções temporárias escritas na lousa. Pra termos uma ideia da gastronomia oferecida no Pincheychef, Daniel serviu beterraba em cubos com totopos de milho azul; salada de grão-de-bico com cenoura, rabanete e abacate; queijo de ovelha de produtores locais; pimentos padrón inteiros (!); escamoles ao mezcal (sim, ovas de formiga!); perna de porco a pibil (pra comer com muitas tortilhas) e tortinha de chocolate com creme de amaranto (produto nativo mexicano) pra completar o menu degustação.
Já mais de noite conhecemos Armando Cajero e que surpresa foi conhecer o Restaurante Na’an! Um local moderno, com cozinha aberta, decoração atenta aos detalhes. Um lugar bonito e aconchegante, um convite a degustar um menu diferenciado, reinventado, com produtos totalmente locais, vindos dos povoados que cercam Cholula.
Aos 25 anos, Armando tem experiência de gente vivida, inclusive tendo trabalhado com ninguém menos que Alex Atala, no Brasil. Mas o que mais impressiona não é seu currículo, mas o seu laboratório, sua gana de conhecer e fazer diferente. Nada é trivial, nada é comum e cada prato é um convite a saborear com calma os ingredientes que Armando criteriosamente escolheu unir.
Ele tem um arsenal impressionante de envinagrados, encurtidos e fermentados. E tudo isso vira arma para impressionar os clientes. E vamos dizer: é impossível ficar apático diante das suas combinações.
Trazendo o conceito de Cozinha Estacional, Armando muda seu menu de acordo com os alimentos da estação, com o que há disponível nos mercados e nos fornecedores de Cholula e região. Cozinha tradicional aqui passa longe, mas os ingredientes locais são o coração do restaurante.
Armando foi pra cozinha e ali, diante dos nossos olhos, preparou alguns dos pratos que estão no seu menu nesse momento. Nós provamos vagarosamente pedacinho por pedacinho, desfrutando da criatividade do chef.
Ainda teve beterraba assada na brasa (divina!) envolta de folhas de quelite e flores com iogurte natural; truta, terrina de abóbora, couve crespa e azeite de folha de figo (espetacular); rosas cristalizadas, iogurte e ameixas fermentadas; sorvete de milho azul com creme de erva Luísa.
Nada de comida picante, cheia de condimentos ou molhos carregados. No Na’an tudo vem equilibrado e a brincadeira fica mais divertida ao tentar acertar os sabores que o chef colocou no prato: não é fácil não!
Ao final do jantar, um show pirotécnico anunciava o término da festa da Iglesia da Virgem de Los Remédios que acontecia bem em frente ao Na’an. Os fogos eram para a Virgem, não há dúvida, mas acabaram emprestando um sentido especial para nós esse final desse domingo: um sinal de que a vida não cansa de nos surpreender positivamente.