Dia 96 – 6 de dezembro – Quarta-Feira: O que é mesmo uma Reserva Extrativista?

Nossa passagem pelo Acre foi realmente abençoada!

A convite do ICMBio pudemos conhecer a Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, no Rio Caeté, e ver de perto o trabalho desenvolvido por lá, em especial aquele voltado para a área gastronômica.

Resumindo assim, em três linhas, até fica parecendo que se tratou de uma simples visita a um restaurante de algum vilarejo de nome difícil.

Nada disso!

Pra começar o diário de bordo desse dia julgo essencial ter clara a definição de Reserva Extrativista. Você sabe do que se trata?

Reserva Extrativista
                                                                                    No alojamento da RESEX!

Uma RESEX, como é abreviadamente conhecida, é uma categoria de unidade de conservação destinada ao extrativismo com manejo sustentável. Em outras palavras, é uma área protegida por sua importância ambiental que tem por objetivo a proteção dos meios de subsistência, cultura e modo de vida das populações tradicionais que nela vivem, com é caso dos seringueiros.

E é aí que entra o ICMBio, o órgão do governo federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente que tem o papel de gerir as unidades de conservação, protegendo o patrimônio natural ao tempo que promove o desenvolvimento socioambiental, como as atividade extrativistas desenvolvidas pela comunidade.

A Reserva do Cazumbá-Iracema fica no município de Sena Madureira, a quatro horas de Rio Branco, duas de carro – por uma rodovia nada conservada – e duas de voadeira, um barco motorizado.

Reserva Extrativista

O território da reserva é grande! São mais de 750.000 hectares (750 mil campos de futebol) ocupado por 350 famílias extrativistas. Indígenas também vivem por lá… ocupam uma área mais ao centro da RESEX, umas dez horas de batelão do porto da comunidade extrativista do Cazumbá.

Espera aí: porto?

Sim, porto. Mas esqueça a imagem que você tem na memória. Porto, no Caeté, é simplesmente o local onde os barcos param para o pessoal poder acessar, trilha a dentro, a comunidade ou a aldeia.

Foi num desses “portos” que embarcamos na voadeira juntamente com o pessoal do Exército, da FUNAI e, claro, do ICMBio. Juntos, eles desenvolvem ações integradas para a preservação da reserva e da área indígena (que ainda não é
demarcada).

Bom, o que eu não disse ainda nessa história toda é que nesse dia chovia muito, mas muito mesmo. Finalmente a estação das chuvas havia chegado à Amazônia e justo naquele dia São Pedro resolveu despejar muita água sobre o Acre.

Chegamos em Sena Madureira, cidade sede do ICMBio, por volta das 11:30h, almoçamos e demos um tempo pra ver se a chuva dava trégua. Só pelas 14 horas é que fomos pegar a voadeira.

Foram duas horas contemplando o rio, a mata, as garças e a chuva caindo, agora um pouco mais suave. Aos poucos fomos cruzando com outras pequenas embarcações dos moradores e também dos índios que aproveitavam o nível alto do rio para navegar até a cidade.

Reserva Extrativista
                                                                               Chuva, vento e frio no caminho até a RESEX

A chegada ao local de desembarque prenunciava o que viria pela frente. Crianças desciam com dificuldade o barranco molhado para pegar o barco que os levariam até suas casas depois da aula. O mesmo barranco que elas desciam teríamos que subir, levando equipamentos e os mantimentos para os próximos dias.

Felizmente a chuva havia cessado, mas o terreno só secaria dias mais tarde. Com alguns escorregões chegamos à parte plana do terreno, não menos encharcada e enlameada. A partir daí levamos cerca de quarenta minutos até chegarmos ao alojamento com as botas e calças completamente tomadas pelo barro.

                                                        Muita lama e expectativa na nossa visita à RESEX!

Meninas para um lado. Meninos para outro. Naquele momento, apenas uma pessoa utilizava o alojamento, uma mestranda que realizava pesquisas em campo para a elaboração do seu trabalho final.

Aos poucos alguns moradores foram aparecendo por lá, outros apenas passavam em frente ao alojamento para seguir até suas casas. Com exceção de um ou dois que usavam galochas, todos andavam descalços no meio da lama. E foi como eles, descalços, que resolvemos ir ao encontro de Nonato e Jair, os extrativistas que fazem a colheita da castanha e fabricam farinha de mandioca artesanalmente.

Sem que precisássemos andar dez metros, encontramos acidentalmente ambos no meio da rua estreita, enlameada e iluminada pelas luzes amarelas dos postes. Isso mesmo, a energia elétrica já chegou por lá (Luz para todos, lembram?), apesar dos valores absurdos cobrados dos usuários (contaram alguns moradores que a conta chega a R$400, R$600,00 ao mês para uma casa com apenas uma geladeira!).

Enquanto combinávamos com os extrativistas os detalhes da gravação do dia seguinte, mais um grupo de pessoas e crianças chegava para se juntar aos que estavam no alojamento. Só o cocar usado por um deles os distinguia dos demais transeuntes. Eram os Jaminawas, descalços, mas muito bem vestidos. Certamente mais bem apresentáveis do que nós nos encontrávamos naquele momento.

Apresentados aos indígenas, contato feito com os extrativistas, a diferença cultural dos povos ficou completamente esquecida quando jantamos, todos juntos, a deliciosa galinhada feita por Nói, a dedicada moradora local que toma conta do alojamento. E mais uma vez ficou evidente que é na partilha do alimento que as pessoas se aproximam e se conhecem. O gelo se quebra, a distância fica menor e, ali à mesa, se conclui que, na essência, calçados ou descalços, todos somos iguais, seja em Blumenau ou em Cazumbá.

4 Comentários

  1. O texto acabou e ficou o gostinho de querer ler mais…. Tenho muito de conhecer essa região

    1. 🙂 O lugar é mesmo incrível, Cida! Uma experiência que jamais esqueceremos. Abraços, Vini e Dani

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