Conhecemos receitas de família e ingredientes italianos deliciosamente inusitados
Chegamos à cidade de Manerbio no final da tarde de segunda-feira. Quem nos aguardava por lá era o casal Valério e Adelina e logo descobrimos que havíamos muito em comum.
Quando as duas filhas ainda eram pequenas, eles costumavam viajar de motorhome e por isso entendiam muito bem o nosso gosto pela estrada. O apreço pela comida e pelo mundo do alimento era o nosso ponto de convergência mais evidente, mas descobrimos naquela mesma noite que, assim como nós dois, Ade e Vale também gostam de cozinhar juntos.
Assim, no primeiro convite para prepararmos casonsei
a quatro mãos , Vinicius arregaçou as mangas e logo se prontificou a ajudar. Eu peguei a câmara e pedi permissão para gravar o preparo.
Com o ok dos dois, registrei não apenas o preparo da massa recheada típica da região da Baixa Brescia, mas também da torta de limoncello de Ade e todos os nuances de um jantar feito por uma família tradicional italiana.
As receitas estarão nos próximos post, então não deixe de visitar a gente por aqui nas próximas semanas. Se preferir, cadastre o seu e-mail e receba sempre as nossas novas postagens, integralmente!
O casonsei, em dialeto bresciano, ou casoncelli, em italiano, é como é chamada a massa recheada feita nessa região. No Piemonte, ela é chamada de agnoloti e em outras regiões seria simplesmente um ravióli.
Tentar estabelecer uma relação entre nome e tipo de massa é praticamente impossível sem cometer algum equívoco, levando em conta todas as nomenclaturas existentes na Itália.
Para reduzir a margem de erro, aprendemos que devemos levar em consideração a região italiana em que a massa é costumeiramente feita, isto é, o formato e o recheio que costuma ganhar.
Na cidade de Mantova, por exemplo, a massa tradicional é chamada de tortelli e é recheada com abóbora.
Já na Baixa Brescia, distante apenas 70 km de Mantova, a massa com o formato símile, mas com recheio diverso, é chamado de casoncelli.
Um pouco confuso, mas depois de mais de seis meses na Itália aprendemos a não nos importamos tanto com esse detalhe. Os próprios italianos não se prendem com preciosismo ao nome. O importante mesmo é a qualidade dos ingredientes e o resultado final da preparação, e nisso não se pode errar na Itália!
Entre misturar o recheio, preparar a massa e deixa-la descansar, Adelina preparou o que chamou de Bolo “Nero e Bianco”, como o nosso bolinho seco, mas deliciosamente embebido em limoncello feito por ela mesma. E essa é mais uma novidade que constatamos na Lombardia e que particularmente nos agrada muito: cada um produz o seu próprio limoncello.
Licores, aliás, não costumam faltar na casa de nenhum italiano. A refeição sempre acaba com um café e um digestivo, às vezes um seguido do outros, mas quase sempre misturados na mesma xícara.
Outra particularidade da cultura gastronômica dos italianos é justamente o bolo preparado por Adelina, que não era propriamente para servir de sobremesa ao jantar (apesar de termos comido mesmo assim), mas era para o café da manhã do dia seguinte.
Ao menos na região norte da Itália, o café da manhã é sempre doce. Vimos variações entre biscoitos, bolos ou brioches (que são na verdade qualquer massa doce, incluindo donuts, sonhos, croissants, etc.), mas é sempre doce.
O que aprendemos também é que nenhum jantar italiano segue o script. Se te convidam para comer pizza, vai ter algo de entrada e também de sobremesa. Se te convidam para uma massa, antes terá uma tábua de salames e queijo e provavelmente algum outro aperitivo. E mais um monte de coisas. E vinho. Sempre.
Na casa de Ade e Valério não foi diferente.
Começamos beliscando Parmigiano-Reggiano com mostarda artesanal. E o meu jantar poderia ter ficado por ali. Foi uma das combinações mais espetaculares que provamos até agora. Tudo bem,
Parmigiano-Reggiano é convardia, não tem nada que não fique bom com o queijo mais apreciado da Itália. Mas a mostarda, a mostarda era divina!!
Foi uma das combinações mais espetaculares que provamos!
Antes de você achar que estamos exagerando, deixa eu esclarecer uma coisa. Mostarda na Lombardia não é o molho que fica ao lado da maionese e do catchup no supermercado. Mostarda na região de Brescia, Mantova, Cremona é uma preparação feita com frutas que vão mergulhadas em calda açucarada. Lembrou de uma lata de pêssego em caldas? É por aí, só que muito melhor.
O diferencial da mostarda italiana é o acréscimo de óleo de senape, que deixa as frutas com outro sabor. O senape é mais nada do que um princípio ativo retirado da semente da mostarda conhecido como Isotiocianato de alila que é responsável pelo sabor picante não só do senape, mas também da raiz forte e do wasabi.
A que provamos tinha damascos, ameixas e cerejas, mas podem ser feitas também com apenas um tipo de fruta. O importante mesmo é o senape.
Adelina nos contou que a essência da mostarda é encontrada em farmácias e a sua manipulação deve ser bem cuidadosa. Assim como quando se utiliza pimenta, mãos, olhos e boca devem ser protegidos na hora de manipular o senape.
Depois foi a vez de provamos o casoncelli feitos a 3 mãos. De uma simplicidade proporcional ao sabor. O recheio de espinafre e ricota é clássico e sempre vai bem. O mergulho da massa em manteiga bem quente não tem como dar errado.
Uma refeição nunca se repete.
Uma massa artesanal também não.
Nenhum casoncelli ficou igual ao outro e nenhuma massa de espinafre com ricota terá o mesmo sabor pra gente.
A acolhida afetuosa, o preparo da massa fresca, a troca de histórias a partilha da comida, do conhecimento e dos valores são a nossa maior recompensa.
No final do jantar, o parmigiano voltou pra mesa com a mostarda, além de uma seleção de queijos que variavam na textura, cor, cheiro e sabor. Assim como na França, na Itália o queijo também vai muito bem no final da refeição.
“Non ci si alza da tavola se la bocca non sa di formaggio”.
Como diz o Provérbio italiano, “não se levanta da mesa se a boca ainda não tem gosto de queijo”
Brotos de Lúpulo Selvagem: mais um ingrediente surpresa
Eu adoro apanhar fruta do pé. Lembra a minha infância que foi muito afortunada. Anona, goiaba, ameixas, amorinhas e araçás estavam entre as minhas frutas preferidas.
Aqui na Itália as árvores apenas começaram a florescer. As frutas virão nos próximos meses. Mas Adelina nos ensinou que já é hora de colher brotos de lúpulo selvagem.
A espécie, que não é típica do Brasil – apesar de cada vez mais aparecer como experimento entre os cervejeiros artesanais de plantão – não fazia parte do nosso arquivo de plantas comestíveis.
No dia seguinte à nossa chegada à Brescia, Adelina e Valério nos levaram a conhecer o Castelo de Padernello e em meio ao passeio Adelina encontrou lúpulos selvagens. Ela parecia criança e não sossegou até conseguir colher todos os brotos que estavam aparentes.
O Castelo de Padernello é um lugar absolutamente lindo, antigo e fascinante onde funciona o Mercado da Terra, com pequenos produtores da região. O mercado acontece todo terceiro domingo do mês, dentro das paredes do antigo Castelo! Segundo Valério, o mercado chega a atrair 4 mil pessoas!
Nós nos juntamos a ela e começamos a caçar os brotos de lúpulo também. Eles nos ensinaram que a parte comestível é só aquela que avança aproximadamente uns vinte centímetros da ponta. Para baixo a planta já possui consistência mais rígida.
Com as mãos cheias, voltamos para casa e Adelina refogou os brotos antes de serem misturados aos ovos. O omelete ou fritratta, como é chamado pelos italianos, ficou com um sabor único! Não vemos a hora de encontrar brotos de lúpulo por aí para reproduzir a receita.