A festa encerra o período de abundância com muita polenta e bugie
Desculpe se decepciono você, mas esse post não é para falar do Carnaval de Veneza. Festas com belas máscaras e fantasias que remetem ao século XVIII passam longe do interior da Itália, ao menos em Piemonte. As comemorações carnavalescas nas pequenas cidades do noroeste italiano são menos turísticas, mais simples e feitas pelos locais para os locais.
A festa tem música, muita alegria, e até alguns desfiles, mas o ponto alto da celebração está mesmo na mesa. É na comida farta que o italiano festeja os últimos dias antes de entrar na Quaresma, o período religioso marcado pelo desapego e desprendimento.
Mas não sejamos ingênuos, o jejum pregado outrora pelo cristianismo não é mais levado tão a sério, mesmo aqui na Itália onde a religiosidade está em cada esquina, nas incontáveis Igrejas, Basílicas, Capelas e monumentos aos Santos.
Hoje, ao contrário dos períodos de guerra, a comida é abundante o tempo todo, seja antes ou depois da Páscoa.
Nas semanas que antecedem o Carnaval, entretanto, duas preparações feitas em quantidades absurdas marcam os festejos na Itália: a polenta e a bugie.
A primeira é a nossa velha conhecida, a preparação feita de farinha de milho levada pelos imigrantes italianos ao Brasil. A segunda é um docinho frito que recebe um nome diferente dependendo da região da Itália. No Piemonte, chama-se bugie, mas também podem ser encontradas com o nome de chiacchiere e frappe.
Como se faz uma bela polenta?
Fazer uma boa polenta também tem seus segredos. Já provamos na casa de italianos e nos eventos de Carnaval, todas feitas de modo diferente. Em casa, a polenta foi feita com a farinha instantânea, mais fina e que economiza tempo na cozinha. Nos eventos, a polenta é feita com a farinha mais grossa, que é cozida por cerca de duas horas.
Não dá pra dizer que a farinha instantânea seja ruim e sejamos sinceros, no dia-a-dia ela é uma mão na roda. Massss também é verdade que a polenta feita com farinha é mais gostosa, seja porque a consistência é mais cremossa, seja porque o sabor do milho é mais pronunciado.
Nas nossas andanças pelas cidades do interior da Itália, descobrimos alguns segredos para deixar a polenta bem gostosa e molinha, como é feita tipicamente na região do Piemonte:
- Polenta de verdade é um alimento para se fazer com os amigos. O tempo e o modo de preparação exigem boa companhia.
- Acrescentar um pedaço de manteiga e um pouco de azeite de oliva à água fervente e salgada fazem uma substancial diferença no sabor e na consistência da polenta.
- Despeje a farinha aos poucos, enquanto outra pessoa mexe levemente, mas constatemente a mistura com a água. Use um fuê para misturar bem e desfazer a pelotinhas que se formam naturalmente.
- Se a colher de pau ficar em pé no meio da panela é porque a proporção água X farinha está no ponto.
- Desde o momento que a farinha vai para a panela até a hora de servir, a polenta deve ser mexida. Conte com os amigos para revesarna função.
- Não tente acelerar o processo. Fazer uma boa polenta leva tempo e requer paciência. Uma taça de vinho pode te ajudar a relaxar durante o cozimento.
Polenta pronta? Hora de preparar o acompanhamento que – de fato – é o que dá vida ao prato. Aqui no Noroeste da Itália, a polenta é servida com uma fatia generosa de queijo, que pode ser gorgonzola ou stracchino, bem molinhos para ir derretendo com o calor da polenta. E pra mim assim já tá bom demais!
Outra preparação bem típica aqui no Piemonte é comer a polenta com linguiça e molho de tomate. Nesse caso, aprendemos que o molho pode ser feito basicamente em duas versões:
1- Molho bolonhesa que ganha pedaços de linguiça macia (tipo patê) cortada em pedaços de 4 cm e quadradinhos de batatinha pré-cozida;
2- Molho com linguiça cortada em pedaços de 2 cm, refogada com tiras de carne que ganham tomates e formam um caldo bem denso.
A comida italiana do Norte não é muito condimentada. Regra geral, sal é tudo o que o ingredinetes recebem. Alho e pimenta são de menor aceitação do público.
Bugie é ou não é a nossa Orelha de Gato?
Padarias, supermercados, cafeterias…todos os estabelecimentos ficam lotados desse docinho que, como vimos, pode ter vários nomes diferentes. É possível encontrar versões industrializadas e artesanais, simples ou recheadas.
No Brasil, o docinho também foi levado pelos imigrantes, mas foi bastante adaptado. As pessoas costumam achar que a Bugie é a nossa orelha de gato ou cueca virada. Os ingredientes são quase os mesmos, o sabor é semelhante e o formato pode até ser igual (já que nas versões mais tradicionais ambas tem a forma de um nó), mas a consistência é bem diferente.
A Bugie está para a massa de pastel, assim como a orelha de gato está para o sonho. A massa italiana é crocante, a massa brasileira é macia.
Basicamente a diferença entre a Bugie italiana e a Orelha de Gato brasileira está nos ingredientes e na espessura da massa: a Bugie leva manteiga e grappa (ou outro licor) e é aberta com apenas 2mm espessura; já a Orelha de Gato a massa leva margarina e leite e costuma-se deixá-la mais grossinha, com no mínimo meio centímetro de grossura.
Eu, como fui criada no Brasil a base de polenta e orelha de gato, me senti em casa. Não poderia estar mais feliz nesse Carnaval italiano.
Pra você que ficou tentado a provar a autêntica polenta italiana a Bugie, convidamos a assistir o vídeo abaixo e, quem sabe, vir conhecer pessoalmente as tradições gastronômicas italianas no próximo Carnaval!