Uma visita à azienda agrícola O´Professore, fundada em 1912.
Nós o conhecemos por limão siciliano, mas devemos fazer justiça. Não é só a Sicília que cultiva o limão da casca amarela, a espécie Citrus x limon. Por mais que Siracusa seja a principal região produtora de limão na Itália, é provável que o que chamamos de limão siciliano provenha historicamente da península sorrentina, na Campania.
Isso porque é dos limões da costa sorrentino-amalfitana que se faz o verdadeiro Limoncello, o licor de limão mais apreciado do mundo. A razão da seleção, dizem os produtores, está nas características físico-químicas do fruto que nasce na península: casca grossa e perfumada.
Embora tenhamos colocado tudo na mesma garrafa, é bom esclarecer que há diferença entre o limão cultivado na costeira de Amalfi – que fica ao sul da península – e aquele que nasce na região de Sorrento, ao norte. Ambos possuem tutela específica de Indicação Geográfica Protegida, mesmo nascendo a menos de 30 km um do outro: coisas da Itália!
Enquanto os limoeiros da Costa de Amalfi são cultivados em terraços, em terrenos inclinados, sob andaimes de madeira de castanha, o ovalo massese, ovale di Sorrento, dito ainda Limone di Massa Lubrense, possui técnicas de produção especiais, ligadas ao cultivo das plantas sob o pagliarelle, isto é, esteiras de palha que cobrem as copas das árvores.
Segundo Bruno Maresca – herdeiro de um belo jardim de cítricos na cidade de Piano de Sorrento -, o método ajuda a protegê-las do frio e do vento e também retarda o amadurecimento dos frutos.
Na nossa visita à centenária fazenda de cítricos de Bruno, não só vimos de perto a técnica que representa um dos principais elementos distintivos desta produção, como descobrimos como os limões se tornaram forte expressão econômica e paisagística de Sorrento (e porque corre o risco de desaparecer em poucos anos).
“Sejam bem-vindos à Azienda del Professore”, inicia Bruno Maresca a sua interessante narrativa sobre o cultivo dos cítricos, uma arte que a sua família domina desde 1912, mas que Bruno não sabe até quando remanescerá.
“Anote bem, registre tudo, tire fotos. Não falo com orgulho, mas como uma tristeza que não podem imaginar: estamos com os dias contados. Tudo isso irá se acabar”, profetiza o neto do “professor” que vê dia após dia a cidade engolir os jardins de limão de Sorrento.
A pensínsula sorrentina é um pequeno território que se prolonga sobre o mar. Nesse pouco espaço, a engenhosidade do homem fez com que ali se cultivasse um pouco de tudo, porém, “historicamente, os cítricos não são uma tradição de Sorrento, é uma tradição mais recente. Ela veio recontada no início do século por viajantes, poetas e escritores fascinados pelo que viram aqui”, explicou Bruno que nasceu e cresceu nesse lugar pelo qual é realmente fácil se encantar.
Para entender como os limões vieram parar na península, Maresca avisa: é necessário voltarmos no tempo. “Em 1860, há uma grande mudança com a unificação do Reino da Itália. Nessa época, a península era tomada por plantas de amoras. Esse fruto era o alimento do bicho da seda que era criado nessa zona justamente para a fabricação do tecido. Havia plantas de cítricos, mas eram poucas”, esclareceu ele.
Com a unificação da Itália, a queda dos Borbouns e a vitória dos Savoia – que historiamente dominavam a região setentrional italiana- , não havia interesse em manter o poder econômico do país na região sul e acabam centralizando a industrialização no norte da Itália. Em poucos anos o comércio da seda decaiu bruscamente e os pequenos campesinos que plantavam amoras se viram sem o mercado consumidor. Foi aí que decidiram cortar todas as amorerias e investir no plantio de cítricos. “Isso aconteceu entre 1870 e 1890. Em vinte anos, a paisagem da península sorrentina mudou por completo. De amoreiras à laranjeiras. Em poucos anos, a produção e laranjas explodiu, coincidindo com o desenvolvimento da indústria de construção naval. Os navegadores chegavam aqui e viam esses belos jardins de cítricos”, continuou Maresca.
Foi mais ou menos nessa época que seu nonno, Giuseppe Maresca, investiu no plantio de laranjas, uma trajetória que percorre mais de um século, cheia de altos e baixos.
A transformação das laranjeiras em limoeiros: como surge o limão de Sorrento
Na primeira metade do século passado, as laranjas produzidas na península ganhavam o mundo. Eram exportadas principalmente ao mercado inglês e alemão. No primeiro país chegavam em navios; no segundo, as laranjas eram transportadas de trem.
“Na época em que meu pai ainda era criança, recolhiam-se as laranjas, as envolviam uma a uma em papel e as colocavam em caixas de madeira marcadas com betume. Essas caixas eram levadas até o mar, a 800 metros daqui. Eram carregadas em pequenas embarcações que iam até o Porto de Nápoles e lá, em navios maiores, faziam a rota do mediterrâneo rumo à Inglaterra,” reconta a história que certamente ouviu mais de uma vez de seu genitor.
Na Inglaterra, naquela época, a laranja doce de Sorrento era muito bem paga. “No início do século XX, em sete anos vivendo da produção de laranjas, meu nonno conseguiu comprar essa propriedade. Era um dinamismo econômico diverso em 1912. Depois de um século, nós estamos morrendo”, desabafa o neto do professor.
A realidade veio modificada entre os anos 70 e 80, quando se iniciou um período de dificuldade para o comércio de laranjas.
“Nossas laranjas possuíam uma ou outra semente e isso acabou virando um problema para o mercado consumidor. As pessoas ficaram obcecas com a semente – com medo de sufocamento das crianças – o que acabou ruindo o comércio da laranja bionda de Sorrento. Havia enorme dificuldade para vendermos a laranja”, lembrou, Bruno, inconformado.
Por outro lado, o limão estava valorizado e, além disso, era muito mais resistente às interpéries que às laranjas. “Os limões dificilmente caem da planta”, explicou Bruno, “já para cada 100kg de laranjas, apenas 50, 60 kg são salvos, isso se colhidas muito previamente”. O restante cai e já não pode ser comercializado.
Somadas a essas razões, o limão de Sorrento foi tutelado como IGP o que acabou ampliando a sua importância no cenário mundial. A opção de mudar novamente a paisagem do seu jardim – agora não mais de amoreiras à laranjeiras, mas de laranjeiras à limoeiros – era uma questão de sobrevivência.
Os enxertos
Com a falta de espaço, a solução para extirpar as plantas de laranja e substituí-las por limoeiros, preservando, contudo, a continuidade produtiva, foram os enxertos.
“Existem dois tipos de enxertos, o enxerto ‘a olho’ e o enxerto a rama”, explicou-nos Bruno. No primeiro, a planta é cortada e um pedaço de outra planta é colocado no meio do caule. Na segunda, o enxerto se faz nos galhos e não é preciso enxertar de forma a substituir completamente uma planta por outra.
“Esse sinal que tem em todas as árvores” – aponta Bruno para uma “cicatriz” presente no caule, a cerca de um metro e meio da planta – “é o enxerto feito ‘a olho”, quando a laranja bionda doce de Sorrento foi enxertada na árvore “original” de laranja amarga.
Apesar de ser mais célere do que replantar e inciar do zero um novo cultivo, esse processo realizado pelos antepassados de Bruno veio substituído pelo enxerto à rama, feito apenas em alguns galhos da planta.
Antes de 1999, o jardim de Bruno era composto basicamente de laranja doce. Naquele ano, as plantas foram enxertadas com a árvore de limão de Sorrento. Graças a essa técnica, curiosamente algumas das suas plantas produzem ainda hoje limões e laranjas biondas de Sorrento -No mesmo pé!
O enxerto mantém a produtividade da fazenda, já que uma planta grande enxertada gera muito mais frutos que uma planta nova, que levará anos até atingir o número de produção da planta mais velha.
“Se no ano seguinte o enxerto dá sinais de que vingou, os galhos de laranjas podem ser cortados para o limão começar a crescer”, explicou-nos Bruno que sempre acaba deixando uma galho ou outro intocado da laranjeira para dar maior resistência à planta.
Limão de Sorrento em meio a ‘agricultura a quatro níveis’
Como dito antes, a propriedade de Bruno fica na cidade de Piano de Sorrento. O que não dissemos é que o seu imenso jardim fica incrustado entre prédios e construções. De fato, a caminho da fazenda, achamos que o GPS estava nos levando ao lugar errado. Como haveria de existir um cultivo de limões em meio à cidade?
Pois foi só deixar a movimentada avenida e cruzar o portão que adentramos em outra dimensão. Os limoeiros tomavam conta do estreito caminho que nos conduzia até a casa de Bruno. Dali quase não se via os prédios, nem se ouvia os barulhos dos carros. A quantidade de vegetação existente naquele pequeno quadrante de terras era impressionante.
Com a necessidade de plantar um pouco de tudo, a Azienda O´Professore está desenhada num modelo que Maresca define como agricultura a quatro níveis.
No nível base, onde a luz do sol consegue chegar, há uma horta, com tomate, cebola, berinjela, etc. No segundo nível estão os limoeiros. O terceiro nível cresce sobre o pergolado, onde estão os vinhedos. O quarto nível é formado por árvores de grande porte (ou que se tornaram de grande porte pela necessidade de sol), como as nogueiras, as cerejeiras e oliveiras que atingem mais de seis metros.
É impressionante a quantidade e a variedade de coisas que Bruno consegue plantar no terreno que um dia foi de seu avô e que segue sendo da família com muito esforço e resistência.
“Com orgulho e com tristeza, digo: somos os únicos. Antes era tudo assim na península sorrentina. Depois, chegando de fora aqueles que eram bem fornidos economicamente, vendo essa bela vila próxima ao mar e esses belos jardins de cítricos ao longo da estrada, acabaram transformando o território com hotéis, etc. Toda essa beleza, o bom comer, o clima acabaram alimentando o mito de Sorrento. Ainda hoje é assim. A única coisa que está sumindo dia após dia é esse sistema aqui. Aquilo que fez nascer Sorrento, hoje está desaparecendo”, desabafa o agrimensor.
Os jardins foram sendo tomados por casas, garagens, estradas, estacionamentos. “Meu nonno era sempre instigado a colocar uma bomba de gasolina sobre seu terreno e ele sempre disse não”, contou o proprietário da Azienda que como seu avô ainda hoje, corajosamente, freia o desenvolvimento urbanístico, defendendo e salvaguardando o que resta da paisagem que deixou famosa a península sorrentina no mundo.
“A Agricultura aqui se faz por paixão, e não pelo dinheiro, que não o vejo. Levo esse lugar adiante em respeito ao trabalho de meu nonno e de meu pai, mas já sabendo que esse lugar irá se acabar”, finaliza Bruno com muito pesar.
Nosso profundo agradecimento a Bruno Marasca por condividir conosco a sua paixão e essa importante parte da história italiana.
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Corso Italia 236
80063 Piano di Sorrento (NA) Itália
www.oprofessore1912.com
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Adorei!
Obrigada, querida!! Carinhoso abraço!
Amei! Lugar lindo, Maravilhoso. Parabéns ao Bruno. Muita dedicação, trabalho.EXcelente Fruto e um belo jardim. 😍❤️🙏🙌🫶