A Gastronomia da Península Sorrentina

As receitas tradicionais da acolhente Osteria familiar Lo Stuzzichino 

Não sei, amigo leitor, se você já esteve em um restaurante antes do seu horário de abertura. Quem costuma chegar quando a mesa já está posta, as luzes acesas e a música ambiente rolando, não faz ideia do trabalho que há para deixar tudo pronto para recebê-los. Falo especificamente do salão, não da cozinha.

Vinicius já teve restaurantes e eu, mesmo não trabalhando diariamente com ele, entrei para dança várias vezes. Limpar o chão, o banheiro, organizar as mesas conforme as reservas, separar os cardápios, polir os talheres e as taças de cristal, ligar o ar condicionado e claro, pôr a mesa, acender as luzes e escolher a playlist que irá embalar garçons e comensais até o final da noite.

Isso para dizer o mínimo. 

Ao entrarmos no Lo Stuzzichino e sermos recebidos por Dora três horas antes da Osteria abrir ao público, veio-me súbito os momentos em que eu compartilhava com o Vi os afazeres do salão antes da abertura da Trattoria

Nas quatro horas em que estivemos no restaurante gravando receitas na cozinha e provando os pratos, Dora não parou. Entre varrer o pátio, arrumar as mesas, atender ao telefone e marcar as reservas, ela só sossegou nos dois minutos em que nos ofereceu um café. Entre as suas preocupações estavam uma reserva para vinte e outra para trinta pessoas que viriam provar a gastronomia da península sorrentina interpretada por Paolo De Gregorio.

gastronomia da península sorrentina
Mesas postas: o Lo Stuzzichino se prepara para abrir as portas

Aos setenta e cinco anos, o sogro de Dora está à frente da cozinha do Lo Stuzzichino e é ele, ao lado da esposa Filomena, quem abre as portas do restaurante pela manhã. Com mais de 60 anos de profissão, o chef Paolo bota muito trintenário no bolso (e eu me incluo nessa lista). O veterano na cozinha trabalha todos os dias uma média de quinze, dezesseis horas por dia. Em pé. Em frente ao fogão. 

Enquanto Dona Filomena se encarregava de limpar, lavar e rechear as flores de abóbora, Paolo esticava a pasta fresca que seria servida à longa lista de reservas que se formava para aquela quinta-feira.

Lo Stuzzichino
Paolo De Gregorio, 75 anos, 62 deles dedicados à cozinha
Osteria Lo Stuzzichino
Dona Filomena limpa as flores de abóbora que serão empanadas e fritas depois de recheadas com ricota

“Comecei aos treze anos”, contou-nos Paolo, “tenho 62 anos de profissão; é uma vida que estou nos fogões”, completou com muito orgulho enquanto mexia a panela que cozinhava cebolas e batatas para reproduzir a receita que já era feita por sua nonna.

De uma simplicidade “da vero” italiana, a pasta com batatas e queijo del Monaco é uma criação bárbara. A massa seca de grano duro é cozida direto no caldo de cebolas e batatas que acabam se transformando num molho denso que envolve todo o macarrão. O sabor fica por conta da cebola e do queijo provolone del Monaco, que é ralado e acrescentado só ao final da preparação. 

Assim como a “pasta e fagioli” a “pasta e patate” é daqueles pratos que se originaram em períodos de escassez – porque originalmente se juntavam restos de pequenos pedaços de massa para prepará-lo -, e que hoje mata a fome de muita gente abastada por aí. E a razão não podia ser outra. Em suma, o prato é bom, muito bom, e por isso hoje tem espaço em todas as classes sociais.

gastronomia da península sorrentina
Paolo exibe os pratos que preparou para nós: grazzie!
gastronomia da península sorrentina
O belo Provolone del Monaco DOP
gastronomia da península sorrentina
A arte italiana de transformar ingredientes simples em pratos saborosíssimos
paste e patate
Massa, batata e queijo provolone é comfort food

O “Provolone del Monaco DOP” é um queijo semi-duro com pasta filada, maturado por no mínimo seis meses,  produzido na área da Península Sorrentina – Monti Lattari, exclusivamente com leite cru de vaca Agerolese.  

O que nunca foi sinônimo de comida pobre é camarão. Ao menos no Brasil. No nosso país qualquer preparação que leva o bichinho ganha status imediato de comida chic (ainda que não seja rs). Aqui na Itália, os frutos do mar são muito apreciados, mas acabamos vendo mais moluscos que crustáceos nas preparações. Vale dizer: mexilhões e lulas fazem mais sucesso que camarões, ao menos na nossa percepção.

Mas em Sant’Agata sui Due Golfi, a pequena cidade de três mil habitantes que fica estrategicamente localizada em meio à península sorrentina, é abastecida de um tipo de camarão típico da zona que é espetacular: o gambereto di Crapolla. Pequeno e de uma cor vermelho intenso, tem uma característica que muito me agradou: a casca é mais suave, mais fina e menos rígida e por isso mais agradável na boca.

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Gambereto di Crapolla
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O camarão de Crapolla com seus característicos ovos azuis, armazenado sob o estômago

A preparação não poderia ser mais simples, nem mais precisa para respeitar o sabor delicado e a fresqueza do produto. Azeite extravirgem de oliva, sal, pimenta e salsinha foi tudo que Sabato Rispoli – o chef braço direito de Paolo – colocou na panela. E foi assim, só tirando a cabeça, que comemos uma dúzia de camarões di Crapolla. Um luxo!

A península Sorrentina fica na região da Campania e separa o golfo de Nápoles a norte, do golfo de Salerno a sul. A península recebeu este nome a partir da cidade principal, Sorrento, que fica ao norte. A Costa Amalfitana está na costa meridional.

Mas é claro que os moluscos não demoraram a entrar em cena, já que correspondem a parte significativa da gastronomia da península sorrentina. Paolo preparou um espetacular ravioli de ricota ao limone com vongoles, uma daquelas massas que poderíamos repetir mil vezes. Leve, cremosa e com um aroma delicioso do limão cuja casca foi ralada só na hora de empratar, a massa recheada com ricota harmonizou perfeitamente com o sabor característico dos berbigões.

gastronomia da península sorrentina
Foto e a espera por poder provar: a hora mais difícil do dia
gastronomia da península sorrentina
Ravioli ao perfume de limão

Ainda falando a língua do mar, Paolo preparou para gente Scialatelli, a massa fresca típica da costa amalfitana que ele apenas terminava de abrir quando chegamos ao restaurante. É uma pasta mais grossa que ganha parmesão e manjericão fresco na mistura. Se ficou bom? Ficou sensacional! Para acompanhar a massa, Paolo salteou em azeite de oliva uma seleção de frutos do mar fresquíssimos, recém trazidos do mar pelos pescadores que fornecem a matéria-prima ao restaurante todas as manhãs, invariavelmente.

pasta e frutos do mar
Scialatelle com frutos do mar frescos: o melhor da gastronomia da península sorrentina
gastronomia da península sorrentina
Vinicius provando os sabores da gastronomia da península sorrentina
vinho branco coda di volpe
Nymphis, vinho branco napolitano feito 100% de uva Coda di Volpe

Quer saber mais sobre a culinária italiana da Península Sorrentina? Assista ao vídeo!

Tudo foi harmonizado com um vinho branco de Coda di Volpe, uva típica da Campania, um dos inúmeros que contam na carta da casa que tem a curadoria de Mimmo De Gregorio, marido de Dora e filho de Paolo e Filomena.

Na sua moderna cantina, que só se chega através de um elevador, Mimmo contou que a Osteria nasceu de uma ideia sua e de seu irmão Giuseppe.

“Na época meu pai alertou, disse que era um trabalho muito cansativo, feito de sacrifícios, que era para pensamos bem antes de abrirmos o restaurante. Ainda assim decidimos fazer esse trabalho, de estarmos todos juntos, de montarmos uma Osteria de família”, disse Mimmo que em julho de 1989 abriu as portadas do Lo Stuzzichino na pequena e charmosa Sant’Agata sui Due Golfi.

Osteria Lo Stuzzichino Mimmo
Mimmo De Gregorio segue os passos do pai: “só usamos produtos locais, frescos, a km 0”

Nessa caminhada que completa trinta anos, o reconhecimento de tanto trabalho está estampado nas paredes da Osteria. Premiações, participações, reportagens decoram o restaurante que tem uma cara moderna e maturidade de sobra para perdurar por no mínimo mais trinta anos.

“Lembro que no dia em que abrimos o restaurante meu pai disse: ‘Olha, Mimmo e Pepe, lembrem que o nosso trabalho é uma missão, uma missão feita de paixão. Se há a paixão, você trabalha e as pessoas ficam contentes. E a paixão que você cultiva, você deve transmitir ao prato. Tudo aquilo que você dá…felicidade, amor e matéria, as pessoas não apenas se vêem, mas também sentem no sabor”, lembrou emocionado Mimmo, filho de Paolo e Filomena, esposo de Dora, o proprietário do Lo Stuzzichino e o felizardo de ter essa família para chamar de sua. 

No dia 12 de julho, a Osteria completa 30 anos. Estamos certos de que nesse espírito de família, profissionalismo e de acolhença, a casa seguirá por muito tempo com a sua trajetória de sucesso.

Nosso muito obrigado a família De Gregorio por ter nos recebido, compartilhado sua paixão pela cozinha e nos mostrado as receitas deliciosas da gastronomia da península sorrentina. Grazie mille!

[su_box title=” Lo Stuzzichino”]
Via Deserto, 1a
Sant’Agata sui Due Golfi, Nápoles, Itália
www.ristorantelostuzzichino.it
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