Dia 295 – 23 de junho – Sábado: Barbacoa

[Se você é vegano, vegetariano ou simplesmente é contra o consumo de carne, um aviso: esse post conta a história de um preparo típico mexicano que começa com o sacrifício de um animal. Algumas fotos ilustram o preparo que presenciamos e podem parecer agressivas. Nossa intenção com esse trabalho é apenas divulgar uma tradição típica do México segundo o nosso olhar].

 

A última noite do pobre carneiro foi na caçamba de uma caminhonete. Mas talvez não tenha sido tão ruim quanto parece. Às cinco e meia da manhã, enquanto caminhávamos pelas ruas escuras do pequeno povoado até o local do abate, havia festa no céu. As estrelas iluminaram o tempo que lhe restara de vida.

Assim como todos nós, o seu destino já havia sido traçado desde que nasceu: mais cedo ou mais tarde acabaria enterrado sobre fogo, pedras e folhas de maguey.

Às sete da manhã, quando a chama da fogueira já estava forte, o ritual começou. O carneiro não lutou por sua vida, não se debateu, não criou qualquer dificuldade, como se soubesse para que tinha vindo a esse mundo.

Já eu não consegui encarar com tanta objetividade o rumo que as coisas levavam. Enquanto a faca cortava a garganta do animal fiquei ali escondidinha, no escuro, chorando e torcendo para que tudo fosse muito rápido e sem sofrimento.

Leonel já matou centenas de carneiros e se via pela destreza das suas mãos a prática em tirar o couro e limpar o interior.

Enquanto isso o fogo fazia o trabalho de queimar as lenhas e esquentar as pedras dentro do buraco cavado especialmente para fazer barbacoa, que pode ser de carneiro ou de cabrito.

Quando o borrego estava pronto, foi hora de preparar sua cama. Primeiro são retiradas as lenhas, depois são acomodadas as pedras quentes. Por cima são colocadas folhas grandes de maguey e acima acomodadas as duas metades do carneiro. Sobre a carne, folhas de papel e novamente folhas de maguey. Tudo é coberto por uma palha trançada e em seguida um material mais duro e resistente que lona. Os cantos são cobertos por terra para que nenhum calor escape.

Primeira etapa do preparo: Fogo alto no burraco
Preparando o buraco para receber as folhas de maguey
Aquecendo as folhas que cobrirão à carne
Colocando os magueys sobre as pedras quentes
Acomodando a carne sobre as folhas

Três horas depois, o buraco é destampado e o cheiro de barbacoa vai longe. Sobre as folhas é formado um caldo delicioso que os mexicanos chamam de consomê. Em geral ele é reservado para fazer uma espécie de sopa com grãos de bico. Nós provamos ali mesmo, no buraco, com tortilhas de milho feitas artesanalmente a menos de 30 metro dali. Privilégio!

Provando a barbacoa direto no buraco
A carne sai desmanchando, com o sabor do maguey

Ao final, vendo a família toda reunida em torno do ritual tudo parecia ter mais sentido. A vida do pobre bichinho não foi sacrificada em vão. Aliás, nenhum espécie de remorso passa pela cabeça dos campesinos. Criar e matar para comer faz parte da sobrevivência. É algo tão natural quanto cultivar e colher pitayas do pé.

2 Comentários

  1. Parabéns pelo conteúdo do site. Os textos são deliciosos, delicados, explicativos e poéticos.

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