Essa é uma pergunta simples e para muitos a resposta é óbvia, mas poucos sabem exatamente o que acontece durante o processo de formação da clara em neve.

Uma coisa que temos aprendido a respeitar nesta viagem é a química da cozinha. Já passamos por mais de 17 países coletando informações sobre suas cozinhas, conversando com chefs e cozinheiros tradicionais. Vimos muitas coisas que nos surpreenderam, muitos preparos diferentes e diversas formas de usar o mesmo produto.

Algumas coisas que se usam em muitos países, não são nem conhecidas no Brasil e o contrário também é verídico.

Quando pensamos em um ingrediente tão básico quanto o ovo, nem sequer nos questionamos sobre a sua constituição. Simplesmente seguimos a receita que está em nossa mente, quase como um arco reflexo, do mesmo modo que dirigimos o nosso carro.

Mas essa célula (isso mesmo, o ovo é uma única célula), tem propriedades que até hoje fascinam os melhores chefs do mundo, que descobrem receitas inovadoras com esse simples ingrediente que está na mesa de toda a humanidade.

clara em neve
Quem veio primeiro?

Como se forma a clara em neve?

Existem três processos básicos pelo qual podemos alterar a forma física de um ovo: aquecendo, batendo ou misturando com outros ingredientes.

Entender essas mudanças pode nos ajudar a compreender os muitos papéis que os ovos podem desempenhar no processo de cozimento de algum preparo.

Aqui vamos nos focar na clara, que é a única responsável pela formação da “clara em neve”. Ela é formada de água e moléculas de proteína albumina.

As proteínas são macromoléculas formadas por uma sucessão de moléculas menores conhecidas como aminoácidos

Entendido isso, em uma clara de ovo, estas proteínas são globulares, o que significa que a molécula de proteína longa é torcida, dobrada e enrolada em uma forma esférica, como um novelo de lã. Para manter a proteína nessa forma, existe uma variedade de ligações químicas fracas que mantêm a proteína enrolada enquanto flutua tranquilamente pela água que a rodeia.

As proteínas da clara de ovo são os blocos de construção de uma “clara em neve” e para utilizar essas proteínas elas devem primeiro ser parcialmente quebradas através de um processo chamado desnaturação. 

A desnaturação acontece quando batendo as claras de ovos crus, incorporando ar na solução de água-proteína. A adição de bolhas de ar às claras faz com que as as ligações fracas se quebrem, mantendo as ligações fortes (entre os aminoácidos). Para exemplificar, tente desenrolar um novelo de lã inteiro sobre uma mesa é mais ou menos isso que acontece com as claras em um nível microscópico.

Indo um pouco mais a fundo, podemos entender por que a introdução de bolhas de ar faz com que as proteínas do ovo se desenrolem. Entre os aminoácidos que formam a albumina, alguns são atraídos pela água; isto é, são hidrofílicos ou amantes da água. Outros são repelidos pela água; ou seja, são hidrofóbicos ou temem a água.

Uma vez que a proteína de clara de ovo é enrolada como um novelo cercado por água, os aminoácidos hidrofóbicos estão no centro da esfera e os aminoácidos hidrofílicos estão fora da esfera mais perto da água.

Quando a proteína do ovo é exposta a uma bolha de ar, parte dela ainda é exposta à água. Isso faz com que a proteína se desenrole de forma que as partes que amam a água estejam imersas na água e as partes que temem a água possam grudar-se no ar. Uma vez que as proteínas se desenrolam, elas formam novas ligações, se ligando umas às outras, criando assim uma rede que pode manter as bolhas de ar no lugar. Quando essa rede se forma – chamada de ligação ou coagulação – o resultado prático é a espuma que chamamos de neve.

clara em neve
A coagulação começando a acontecer

Fazendo uma linda clara em neve

Para formar uma bela clara em neve é aconselhável usar sempre ovos frescos.

Ovos mais frescos são mais ácidos e o ácido retarda o processo de coagulação, o que significa que o ar pode ser incorporado durante o processo de batimento, formando redes maiores e consequentemente bolhas de ar maiores, aumentando assim o volume da nossa “clara em neve”.

Você pode observar que muitas receitas costumam mencionar vinagre e suco de limão nos ingredientes, isso ajuda a aumentar a capacidade da mistura de incorporar ar.

Algumas pessoas gostam de refrigerar seus ovos, pois isso os ajuda a durar mais tempo. No entanto, para este processo, é importante ter as claras em temperatura ambiente. Os ovos frios têm ligações mais fortes entre as moléculas de proteína, em uma razão inversamente proporcional ao efeito do calor, que através da termólise (termo = calor, lise = separar), também quebra as ligações mais fracas promovendo a coagulação das proteínas.

Esse efeito pode ser visto a olho nú, quando observamos que tanto um ovo frito, quanto uma clara em neve, apresentam uma coloração esbranquiçada.

clara em neve
As claras resfriadas são mais resistentes à formação da neve

Usando açúcar para bater a clara em neve

Durante o processo de batimento, a mistura açúcar / clara de ovo começará a formar espuma a medida que os grânulos de açúcar forem se dissolvendo na água presente na clara de ovo, o que por sua vez aumenta a força e a elasticidade de toda a emulsão.  Neste caso o ideal é usar açúcar extra fino, pois tem partículas menores, o que significa que ele se dissolverá melhor (grânulos de açúcar regulares são muito grandes e não funcionam muito bem neste caso).

Você não deve adicionar sal, pois isso terá um efeito contrário e não facilitará a formação de espuma.

Açúcar ajuda a formar a emulsão

As claras em neve em preparações assadas

Quando você aquece as bolhas de ar que tivemos tanto trabalho para capturar em nossa rede de proteínas, elas se expandem conforme o gás dentro delas também é aquecido.

A temperatura do forno irá depender da receita em que estiver usando a mistura. Sempre devemos ter em conta que existe um ponto ótimo entre a expansão das bolhas de ar e da perda de umidade. Temos que pensar que a preparação só irá crescer enquanto estiver úmida, se expandindo junto com o vapor formado pela água. Quando baixamos muito a quantidade de água ou aumentamos muito a temperatura, a rede de proteínas perde a elasticidade e começa a se estourar. Ela tem que estar com um boa estrutura para poder aguentar o peso sem a presença de ar ou água dentro das bolhas.

Não aconselhamos jamais ultrapassar uma temperatura de 180 graus, por mais de 10 minutos,  as preparações que usem exclusivamente o ovo como agente de crescimento da massa. Temperaturas superiores desnaturalizam as proteínas, perdendo as suas propriedades.

Realizando o processo adequadamente, a rede que envolve as bolhas solidifica no calor e a estrutura não entra em colapso depois que as bolhas estouram, mantendo assim uma boa estrutura e um ótimo visual.

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