Dia 317 – 15 de julho – Domingo: Chegamos em Uruapan, a capital mundial do Abacate!

Depois de quase três semanas em Morélia, chegava a hora de continuarmos nossa viagem. Como já pudemos comprovar várias vezes, não há nada que não nos acostumemos nessa vida. Sem for bom, bonito e confortável, mais fácil ainda.

Com um quarto e um banheiro só pra gente, uma cozinha à disposição para cozinharmos, um espaço para trabalharmos com internet e, principalmente, com a companhia de uma família alegre e festeira, nos sentimos tão bem em Morélia quanto em nossa casa. Nos acostumamos rapidinho por lá.

despedida no México
Hora da despedida em Morélia

Mas a viagem tinha que continuar. Nosso lugar é na estrada.

A torção no meu pé seguia seu processo de cura. Ainda inflamado, inchado, mas já sem dor. Tudo ao seu tempo, pensei. Me enchi de paciência, agradeci por não ter sido pior e disse sim, vamos em frente.

Às dez e vinte pegamos a estrada não pedagiada e cercada por plantações de abacateiros até o povoado de Uruapan que é, precisamente, a capital mundial do abacate.

Por lá encontramos Ricardo, uma pessoa difícil de resumir em poucas palavras. Hiperativo talvez? Pode ser. Ele é chef de cozinha, proprietário de uma escola de gastronomia, consultor de restaurantes, apresentador de dois programas de rádio e um de televisão. Além disso faz parte da aliança de cozinheiros do Slow Food e tem milhões de outras atividades mais. Em poucas horas na sua companhia deu pra perceber que Ricardo não se trata de uma pessoa normal, no bom (excelente!) sentido.

Ricardo é aquele cara que vai além, que sempre quer mais, que tem energia pra dar umas três voltas ao mundo num ano só. Ele cozinha, serve, conversa, pega uma cerveja, chama a esposa três vezes, a filha umas quatro, grava entrevista, pendura o cartaz, faz uma brincadeira com a criança que passa ao seu lado, respira fundo, pega outra cerveja, monta a mesa e ajeita as cadeiras…tudo em cinco minutos.

capital mundial do abacate
Chef Ricardo Saldivar nos explicando sobre os produtos típicos do México
capital mundial do abacate
Já no Rancho, recebendo as boas-vindas

Eu que fiquei observando a movimentação sentadinha, com o pé para cima, pensei: que bom que há no mundo uma criatura cheia de vitalidade, disposição e cheia de boas intenções. São essas pessoas que contagiam as outras, que movem o mundo e que lideram mudanças. É praticamente impossível não ser contagiado com tamanha empolgação. Que o diga sua noiva e fiel escudeira: “não tenho sossego”, afirmou sorrindo.

Quem também não teve sossego nesse dia foi Irma Aguilar Sanches, cozinheira tradicional escalada por Ricardo para nos preparar um prato típico dessa região do estado de Michoacán: tacos de charales com requesón. Charales são peixinhos de lago, do lago do povoado de Patzcuaro, que são parecidos com as nossas piavas. Os peixinhos são salgados, empanados em farinha de trigo e fritos. Depois são colocados sobre as tortilhas de milho quentinhas com uma espécie de ricota. Confesso que sabor é um pouco estranho para o meu paladar. Peixe com queijo frio não é algo que estamos acostumados a comer, mas Vinicius provou e aprovou, ainda mais com uma salsa mexicana picantezinha por cima.

Irma preparou também quesadilha com flor de abóbora, essa sim já registrada na nossa memoria gustativa e aprovada desde sempre. Estava bem gostosa como só uma flor de abóbora orgânica e recém colhida poderia ser. Irma colheu as flores quando estávamos conhecendo a horta de Juan Manoel, que também havia sido escalado por Ricardo para nos fazer companhia nesse dia. 

capital mundial do abacate
Irma à caça das flores de abóbora
comida típica mexicana
Tacos de Charales. Ao lado, corunda de cenoura e acelga envolta na folha do milho.

Juan Manuel é proprietário do Rancho Tungüi, onde confraternizarmos nessa tarde de domingo e também onde passamos a noite.

O rancho ou, melhor dizendo, o Eco Rancho de Juan teve início com a produção de abacates orgânicos há 25 anos atrás, ainda sob o comando de seu pai, na contramão de todos os inúmeros produtores da sua região. Hoje a ideia dos orgânicos se expandiu bastante e o Eco Rancho também produz banana, limão, laranja, murici, café, hortaliças variadas, milho e feijão. Além disso, criam frangos, porcos, coelhos e vacas, todos com alimentação natural, seguindo o mesmo conceito dos orgânicos.

Com anos de prática no assunto, Juan nos ensinou que a diversidade de produtos é fator chave para o sucesso de uma plantação de orgânicos. Segundo ele, testar o plantio de várias espécies é primordial para encontrar a espécie que melhor irá se adaptar ao microclima sem a necessidade de uso de agrotóxicos e fertilizantes. Outro detalhe importante é que a diversidade de espécies evita naturalmente a presença de pragas, ao contrário do que acontece no monocultivo.

Em relação aos animais, Juan nos contou que os coelhos, por exemplo, são praticamente selvagens, vivendo em espaços bem maiores que os usuais e se alimentando praticamente só da vegetação existente na área. Os porcos também ganham alimentação especial. Vivem de milho cultivado ali no rancho e soro de leite. O sabor da carne fica incomparável com qualquer corte suíno vendido nos mercados e isso pudemos comprovar ali mesmo, já que o nosso almoço teve ainda deliciosas carnitas, a carne de porco cofitada na própria gordura.

 

capital mundial do abacate
Juan e Vinicius batendo um papo-cabeça sobre orgânicos, ecologia e as tendências para o futuro
abacates
Plantação de Abacates que ainda estavam verdes. A colheita ainda demora alguns meses.
orgânicos no México
Vida nova brotando e crescendo livre de produtos químicos

Depois da comida, enquanto eu permanecia sentada com os pés pra cima, Vinicius foi com Juan dar um recorrido pelo Eco Rancho para conferir tudo isso e voltou, uma hora e meia depois, fascinado com o que viu.

Fascinado porque o rancho vai além da subsistência, vai além de um projeto inicial, pequeno ou amador. Não, no rancho a coisa é profissional e todos os passos são bem estudados. Pra gente foi a prova de que sim é possível ter uma produção grande de orgânico, com produtos bonitos, grandes, ultra saborosos e, principalmente, sem qualquer prejuízo a nossa saúde.

orgânicos no México
O passeio pelo Eco Rancho rendeu a colheita de produtos ultrasaborosos!
capital mundial do abacate
Vinicius e Juan tirando um som no tambor entre uma conversa e outra

Depois de um dia cheio de atividades, Juan nos deixou bem acomodados para passarmos a noite no Rancho. Ali, ao som das cigarras e à luz fraca da lua minguantes, dormimos tranquilamente na nossa casinha.

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