Iniciamos a nossa investida pela gastronomia da Toscana com o pé direito
Escrever sobre a cultura gastronômica de Florença estando menos de 48 horas na cidade seria uma grande empáfia de minha de parte.
Aqui, diante dessa tela em branco, só um pensamento me faz sentido: uma história de mais de dois mil anos não pode ser recontada em um post de um blog escrito em três parágrafos.
Por isso, em respeito a tudo aquilo que vi e senti em pouquíssimas horas em companhia da guia brasileira Padrya Bucar, elegi me ater a um dos símbolos gastronômicos da cidade para começar a dividir com você a nossa experiência pela Toscana: a bisteca fiorentina.
Clichê?
Muito. Dentre panzanellas, peposos, ribollitas, lampredottos e outros inúmeros pratos toscanos, é a bisteca que reina nos cardápios, nas vitrines, nos pratos dos turistas e, também aqui, nesse relato da nossa aventura gastronômica pela Itália.
É atrás dela, afinal, que estão milhões de pessoas que desembarcam na cidade e foi para entender melhor esse “fenômeno gastronômico” que fomos até o Restaurante da Lino, conversar com o chef Nicola Dolfi.
Com mais de trinta anos de profissão – sempre devotos à cozinha tradicional de Florença – Nicola entende mais de bisteca fiorentina do que eu entendo de mim mesma.
Bisteca Fiorentina: Chianina ou espetinho de gato?
A bisteca fiorentina tradicional é feita de Chianina, mas faz tempo que outras raças bovinas tomaram conta das cozinhas dos restaurantes de Firenze.
Ao que indicam os números soltos na internet, a quantidade de bovinos abatidos da raça Chianina daria conta de abastecer o mercado interno durante e tão somente um mês ao ano. Nos outros onze meses a bisteca seria feita com outras raças bovinas, de outras nacionalidades.
E qual é o problema?
Bem, um tradicionalista dirá que a verdadeira bisteca fiorentina só pode ser feita com a Chianina e não abrirá exceção.
Isso porque a raça, que tem pelo menos o mesmo tempo de história que a própria cidade de Florença, é autóctone da região. Dizem que o boi Chianino já era usado pelos etruscos e romanos nas procissões em razão do seu couro branco. A hipótese mais provável, portanto, é a de que era de chianina o beef-steak que os poderosos Médici ofereceram aos viajantes anglo-saxões no dia de São Lorenzo… fato esse que deu origem à famigerada bisteca.
Assim, como nasceu chianina, a bisteca só pode ser de chianina, capice?
Acontece que tanto a grande procura pelo corte como a busca por opções mais baratas (seja porque o estabelecimento quer ter uma margem maior, seja porque o cliente não quer desembolsar o preço de uma chianina), fez com que o mercado italiano se alimentasse de carnes vindas de outros rincões. Mas isso não quer dizer, necessariamente, que a carne estrangeira seja de má qualidade, nem que não possa ser intitulada bisteca fiorentina.
“O segredo está em saber escolher”, disse Nicola, “e o que manda é a categoria da bisteca, isto é, a quantidade de infiltração de gordura presente na carne”, ensinou ele.
No restaurante da Lino é possível encontrar, por exemplo, tanto a Chianina, como carne proveniente da Irlanda, da Eslovênia e da Sérvia. Elas ficam expostas em uma vitrine refrigerada na entrada do restaurante e de lá o cliente pode conhecer melhor o corte que irá consumir.
A questão é que muitos estabelecimentos dizem vender Chianina – cobrando o preço da raça prestigiada – quando na verdade é uma bisteca vinda da Espanha ou da França. Outros chamam de Bisteca Fiorentina cortes que não são o legítimo representante da carne aclamada de Florença. É aí que está o problema.
Para quem faz questão de provar uma Chianina, ou você conhece e confia no criador do animal ou escolher a carne com a certificação da marca IGP “Vitellone Bianco dell’Appennino Centrale”.
A carne certificada é a garantia do consumidor de que os bovinos nasceram e foram criados em fazendas submetidas a inspeção que verifica o respeito às normas de criação da Chianina. Além disso, ela só é vendida em pontos de venda autorizados.
Bisteca Fiorentina: uma aula de anatomia
O ponto importante para saber distinguir uma verdadeira bisteca Fiorentina é a anatomia do corte. A Fiorentina é retirada da parte posterior do lombo, onde o osso em formato de T divide o filé mignon do contra-filé (nos cardápios pode ser encontrado como filleto). Corresponde ao T-Bone e ao Porterhouse dos americanos (na Itália, é tudo bisteca fiorentina).
Mas atenção: muitos restaurantes vendem também a parte anterior do lombo, a chamada costata ou bistecca nella costola, conhecida também como entrecote ou rib eye. Não que seja ruim, ao contrário, mas não compre achando que estará comendo uma verdadeira bisteca fiorentina!
Saber o que virá servido é difícil, mas o preço é um indicativo. Desconfie de preços muito abaixo da média. No centro de Florença, uma costata custa cerca de 20 euros o quilo. Já um quilo de bisteca Fiorentina Chianina custa em torno de 89 euros, enquanto que uma raça “genérica” de boa qualidade pode ser encontrada por 53 euros o quilo.
O corte e o cozimento da Bisteca Fiorentina
Como já dissemos acima, a bisteca Fiorentina é retirada da parte posterior do lombo, onde o osso em formato de T divide o filé mignon do contra-filé. “Como a carne era retirada da região traseira do animal, ela não era consumida pela nobreza e acabava sobrando para a população mais pobre”, disse o chef rindo da falta de esperteza da elite Fiorentina de uma época.
Para garantir o sabor e a característica de uma boa fiorentina, “o corte deve ter ao menos 1 kg e pelo menos um dedo e meio de altura”, explicou Nicola. Já na grelha, “a parte interna da carne não deve ultrapassar a temperatura de 60ºC”, recomenda o chef.
Esses truques garantem que a carne será “cotta al sangue” como dizem os italianos. Por fora, ela estará bem passada, mas o seu interior manterá uma cor vermelha brilhante, um ponto antes de assumir o tom rosado.
A preparação é simplicíssima, mas atenção: a carne deve estar em temperatura ambiente antes de prepará-la, o corte deve ser feito na hora e o fogo já deve estar forte. A bisteca é então deitada sobre a grelha quente e deixada de 3 a 4 minutos de cada lado e está pronta.
O sal pode ser colocado ainda sobre a chama, logo depois de virada a carne. Há quem prefira salgá-la já na mesa e nesse quesito parece não haver uma regra muito rígida.
Pimenta preta também está liberada, assim como o azeite de oliva, esse último sempre no prato. Limão é terminantemente proibido.
Ah, e quem pedir a bisteca Fiorentina bem passada está sujeito a pena de morte. Avisei!
O segredo da Bisteca Fiorentina
Mas e aí? A bisteca fiorentina é só um pedaço grande de carne sangrando??
Quem assiste o chef cortando o bifão dos Flinstones e o colocando na grelha não imagina qual é o segredo do famoso prato toscano.
A artimanha, meus caros, está antes mesmo da carne ir para o fogo. A qualidade é ponto indiscutível, nem falemos disso.
Para um bom molho de tomate, comece selecionando bons tomates.
O segredo fundamental da bisteca fiorentina está no que os italianos chamam de Frollatura, os americanos de Dry Aged e, nós, brasileiros, incorporamos ao nosso dicionário de gastronomia nos últimos três ou quatro anos como “maturação a seco”.
Do que se trata?
Logo depois de abatido o animal, a carne é muito dura e necessita de descanso antes de ser ingerida.
A maturação a seco prolonga esse descanso, num período que parte de no mínimo 10 dias. Nesse tempo, a carne é mantida fora de embalagens, em refrigeradores com temperatura, umidade e ventilação controladas.
Por processo bioquímico, enzimas quebram as fibras da carne que vai perdendo líquido e ganhando sabor. Por fora, cria-se uma casca escura que é descartada antes do preparo da bisteca.
“Quando se vê uma carne assim escura, não é que a carne é velha, mas é uma carne que está pronta para ser cozida”, explicou o chef Nicola que está acostumado a lidar com turistas de todas as partes do mundo encarando com desconfiança a vitrine de carnes maturadas.
A cor escura realmente contraria o senso comum de que apenas carne vermelha viva é boa, justo porque remente à fresqueza. No caso da frollatura, as cadeias proteicas da carne são alteradas quando bactérias e enzimas naturalmente presentes nela desencadeiam o processo de fermentação, alterando, assim, também o seu aspecto visual.
Para uma boa carne maturada, alguns fatores entram na jogada: temperatura, umidade e tempo variam de acordo com a raça, o tamanho do animal, as fibras da carne e a gordura presente.
“Com base na qualidade da carne, no tamanho, se é um macho ou uma fêmea… compete ao cozinheiro, com experiência, saber quando a carne está pronta para ser preparada”, ressaltou Nicola.
A carne mais apreciada – seja de que raça for – é a da fêmea, devido à sua maciez e dimensões menores. Por isso também custa mais caro, “cerca de 6 euros o quilo a mais que a carne do boi que é muito maior, mais duro, precisando mais de pelo menos um mês de frollatura”, explicou o chef.
A carne da fêmea é chamada Scottona e é assim que vem mencionado em alguns cardápios. Refere-se à fêmea do bovino com idade entre 18 e 24 meses que nunca pariu.
Conclusão: para provar uma boa bisteca fiorentina em Florença, seja de chianina ou outra raça, deve se estar atento! Não se engane pelas fotos tentadoras e leia com calma o que diz o cardápio. Um chef ou um garçom experiente poderá te ajudar. Na dúvida, converse com o mestre de sala e faça algumas perguntas antes de se sentar à mesa. Pergunte de onde vem a carne, quanto tempo tem de frollatura, qual a altura do corte, se é a parte da costata ou do filleto. Se a carne não estiver na vitrine, peça para ver. Se quiser uma Chianina, pergunte pela certificação. Um bom restaurante não se importará de te mostrar que o produto que ele oferece é realmente de qualidade.
Nosso agradecimento especial à guia de turismo Padrya Bucar e ao chef Nicola Dolfi pela aula de Bisteca Fiorentina! Grazie!
[su_box title=”Ristorante Da Lino”]
Via Santa Elisabetta, 6r,
50122 Firenze, Itália
www.ristorantedalino.it [/su_box]
[su_box title=”Padrya Bucar Guia de Turismo Personalizado”]
E-mail: [email protected]
padryabucar.com [/su_box]
Estivemos na Itália de 31.08 a 10.09, Roma, oito cidades da Toscana, Cinque Terre, Assis e Orviete na Umbria. Foi uma viagem REALIZADORA. Chegamos quarta-feira, dia 11 e nosso ultimo jantar, em Roma, foi bisteca fiorentina. Babo só de lembrar. Deliciosa!!!!!!!!!!!
Uau, que roteiro Maria!! Deve ter sido inesquecível, ainda mais fechando a viagem com um jantar assim, com chave de ouro! Abraços, Dani e Vini.
Olá, vc consegue me tirar uma dúvida. No Menu do Ristorante da Lino tem:
Chianina steak por l’etto 8,50 (min 1kg)
Bistecca alla Fiorentina l’etto 5,50 (min 1kg)
Essa bistecca alla Fiorentina é feita com outra raça que não é a chianina, é isso?
Você se importa em falar quanto vcs pagaram pela Bistecca?
Obrigado = )