A nossa saga até chegar ao Terra Madre Salone del Gusto, em Turim

Há cerca de sete meses tivemos nosso primeiro contato com o movimento Slow Food. Embora tenhamos vivido algumas experiências anteriores com campesinos, produtores e chefs de cozinha que por convicção própria seguiam os conceitos de alimento sano, limpo e justo, foi na Colômbia que nos apresentaram ao movimento que propagou tal conceito.

Era 4 de fevereiro, um domingo, e nos enveredávamos pelas estradas sinuosas de chão batido do interior da Colômbia. Levamos o dia inteiro para chegar à casa de Lola Morales. Foi ela, a professora primária da Comunidade de Guanacas, na pequena cidade de Inzá, que  nos introduziu efetivamente ao universo Slow Food.

A professora nos hospedou gentilmente em sua humilde casa, nos recebeu junto à sua família e vizinhos e nos levou a conhecer algumas iniciativas ligadas às atividades do campo – especialmente de cafeicultores – que transformaram a realidade daquela população que durante anos esteve à mercê da guerrilha colombiana.

[Leia o relato do nossos dias em Inzá, clicando no link: https://provandoomundo.com.br/conhecendo-o-interior-da-colombia/]

Desde aquela experiência, nosso planejamento de viagem foi sendo moldado para que no dia 20 de setembro de 2018, às 10 horas, estivéssemos adentrando os portões da antiga fábrica da Fiat, em Turim, para acompanhar o Terra Madre, o evento mudial, bianual, organizado pelo Slow Food Internacional.

Alteramos a rota, refizemos o cronograma, desistimos de conhecer o Canadá e o Alaska (ao menos por enquanto).

Dez países e muitos quilômetros depois – incluindo nesse interregno o conserto do motor do carro no Panamá, uma torção de tornozelo no México, os trâmites de travessia do nosso carro de Cartagena ao Panamá e depois pelo Oceano Atlântico – finalmente alcançávamos nossa meta.

No dia 11 de setembro, às 23:50horas, pisávamos em solo italiano.

Nosso vôo de Fort Lauderdale (EUA)  até Milão, teve escala de doze horas no aeroporto de Gatwick, Londres. De Milão à Turim foi mais duas horas de ônibus. Eram quase três da manhã do dia 12 de setembro quando chegamos à cidade sede do maior evento do mundo dedicado à comida, Turim.

O ônibus nos deixou na estação de trem conhecida como Porta Susa, a segunda mais movimentada da cidade que tem quase um milhão de habitantes. Mas não havia ninguém por lá, as portas da estação estavam fechadas e o silêncio tomava conta das ruas.

Faltavam pelo menos três horas até que a estação abrisse… e oito dias para o início do Terra Madre.

Sem a nossa casa, que já nos fazia muita falta, optamos por ficar em um ArBnb na cidade de Chieri, distante 20 quilômetro dali.  Quarenta e oito horas depois de termos saído da casa dos nossos amigos em Fort Lauderdale, atravessávamos a cidade de Turim, à pé, na madrugada da terça-feira carregando três mochilas.

O cansaço era muito, mas como recompensa tínhamos a praça Vittorio Veneto, no centro histórico, só pra gente. O primeiro ônibus passou pontualmente às 5:02h. Às 6:00h, com mais cansaço que vergonha, batíamos a porta da nossa anfitriã. Contrariando as expectativas, ela nos recebeu muito bem, preparou o café da manhã, nos mostrou o local em que ficaríamos.

Nosso primeiro dia na Itália foi apenas para recarregarmos nossas energias. Dormimos profundamente sem nos incomodarmos com o som das crianças que faziam fila na sorveteria do outro lado da rua, nem com os badalos do sino da Igreja que fazia fundos com o nosso prédio.

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Cansados, mas felizes por chegar na terrinha da bota!
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Centro histórico de Turim às três da manhã.
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Uma soneca no ponto de ônibus da Praça Venetto
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Vittorio Emauele, a rua tranquila do centrinho de Chieri

Dias depois, com o sono já recuperado e adaptados ao novo fuso, era chegada a hora.

No dia 20 de setembro acordamos cedo e partimos, de trem, para Turim. Na chegada à estação Lingoto Fiere já nos deparamos com pequenos grupos de pessoas de fisionomia nada italiana que, assim como nós dois, estavam meio desorientados.

O centro de eventos estava do outro da estação e ninguém fazia ideia de como chegar até lá. Tão perto e tão longe. Nós dois nos juntamos a um irlandesa e mais um casal de ingleses e seguimos o GPS do celular que nos levou… a uma rua sem saída. Na segunda tentativa, encontramos a passagem que dava acesso ao evento: era necessário cruzar o Arco Olímpico, a ponte construída em 2006, quando Torino sediou os Jogos Olímpicos de Inverno. 

[su_pullquote]E a passagem pelo Arco era só uma das muitas semelhanças entre os Jogos Olímpicos e o Terra Madre.[/su_pullquote]

Nessa altura, a multidão já seguia a passos rápidos para a entrada principal do evento. A ansiedade não era só nossa. Em poucos minutos nos deparamos como delegações de várias partes do mundo, escutávamos as conversas em idiomas conhecidos e desconhecidos, pessoas de todas as cores, credos e idades.

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Arco Olímpico de Turim 
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Mais de um milhão de pessoas passaram pelo Terra Madre na edição anterior

Assim como nos Jogos Olímpicos, o Terra Madre foi palco de encontro de várias nações – 150 para sermos mais precisos. No lugar da competição e dos jogos, foram cinco dias de celebração e reflexão sobre questões importantes em relação ao alimento.

Assim como os atletas olímpicos,  fomos acumulando bolhas nos pés e dores musculares ao longo do evento. Fomos acumulando também a habilidade de nos comunicarmos em italiano, mudarmos o idioma para o espanhol e em seguida para o inglês, três minutos depois.

Assim como na cobertura jornalística de uma Olimpíada, tivemos muito trabalho participando de conferências, mesas de debate, salas de degustação, oficinas com chefs de cozinha; visitando um a um os expositores e os stands com produtos do mundo inteiro; aprendendo e absorvendo todas as informações dos espaços dedicados a conscientização alimentar e aos produtos tradicionais em risco de extinção (denominados “Fortalezas Slow Food”).

Como também acontece nos jogos olímpicos, no Terra Madre teve muito fairplay e reencontro de amigos – colombianos, costarriquenhos, cubanos, mexicanos – os que fizemos durante a nossa passagem pelo continente americano.

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Pavilhão 3: Mercado de produtos da Itália
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Laboratório do Gosto, oportunidade de aprender e provar receitas de chefs do mundo todo
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Mais de 100 expositores trouxeram seus produtos orgânicos e saudáveis para apresentar ao público do Terra Madre
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Todos os dias, dezenas de palestras foram ministradas sobre os mais diversos assuntos envolvendo o alimento

E, assim como qualquer amante do esporte ao final de uma Olimpíada, nós também já sentimos saudades do clima e de tudo que vivemos no Terra Madre. Nos próximos dois anos, teremos a missão de colocar em prática o que aprendemos e nos planejarmos para, em 2020, estarmos novamente no parque olímpico do Terra Madre, o evento de que a professora primária nos falava lá no interior da Colômbia.

2 Comentários

  1. Determinação nunca lhe falaram!!! Que texto maravilhoso de se ler! Quanto amor e planejamento envolvido!! Parabéns!!!!! D

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