Slow Travel: Que tal viajar sem pressa?

Você conseguiu tirar dez dias de férias e por sorte emendou com o feriado do Carnaval o que te garantiu quinze preciosos dias de folga. Você abre o Google Maps e começa a sonhar com um roteiro de trem que englobe Barcelona, Andorra, Riviera Francesa, Mônaco, Cinque Terre, Milão e Veneza…afinal, na Europa é tudo pertinho.

Então você abre a planilha do Excel e começa a descrever onde estará e o que irá fazer em cada um dos quinze dias de férias (uma das partes mais legais da viagem, na minha opinião). Depois de horas e horas de pesquisa em blogs e sites de viagem, a viagem começa a se projetar lindamente em sua cabeça. Você inclui passeios, atrações, museus, shows… não quer perder nada! Quando finalmente é acrescentada a 73ª e última linha a sua planilha, já é possível sentir a brisa do mar mediterrâneo batendo no seu rosto cansado, no seu corpo esgotado e em seus pés cheios de bolhas.

Quem nunca?

Quando viajamos o lema é aproveitar tudo como se não houvesse amanhã ou, ao menos, como se nunca mais fossemos voltar para aquele destino. Nesse ritmo, a viagem de férias acaba sendo uma extensão do nosso cotidiano, da correria, da vida cheia de compromissos e horários (ainda que muito mais prazerosa).

Sem perceber, a viagem acaba num piscar de olhos  – ou em 10 postagens no instagram – e a coisa mais valiosa que trazemos para casa é um chaveiro ou um ímã de geladeira (e é claro que eu não estou me referindo ao valor monetário dos objetos).

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Planificando sonhos

MAS AFINAL, O QUE É SLOW TRAVEL?

A expressão “viajar devagar”, como o nome sugere, é a viagem feita com um dos pés no freio, justamente em contraponto àquilo que se transformou a vida moderna – incluindo as viagens – nos últimos trinta anos.

A filosofia “Slow Travel” surge dentro de um conceito ainda maior conhecido como “Slow Movement”. Cunhada pelo jornalista canadense Carl Honoré, a expressão ganhou o mundo depois da publicação do livro “Praise of Slowness”, em 2004.

Diante do ritmo acelerado dos novos tempos, a ideologia Slow sugere uma mudança cultural em vários campos da vida, incluindo a alimentação e as viagens.

Hoje, mesmo sem perceber, cremos que quanto mais rápido, melhor, mais eficiente. Queremos sempre “ganhar tempo”. Esperar virou um martírio e a cabeça tá sempre pensando lá na frente.

Nosso pavio está cada vez mais curto e já não temos paciência com nada, nem com ninguém. Há quem fique irritado só de esperar a mulher da padaria ensacar um a um os 10 pãezinhos que vai levar pra casa. Estamos acelerando tudo, do carro ao vídeo no Youtube.

E o que tem de mal nisso?

O problema de toda essa “eficiência” e que acabamos só passando pelos lugares, passando pelas pessoas, passando pela vida… Damos mais valor à quantidade que à qualidade e dez dias depois de voltarmos daquela viagem frenética, não conseguimos nem lembrar o que comemos naquele restaurante “que adoramos” ou o nome do museu que “precisávamos muito conhecer”.  

A montanha de coisas que fizemos no final do dia ou no final de uma viagem “apressada” se resume a quase nada importante, com quase nenhuma experiência marcante ou com pouca coisa que acrescente valor na nossa visa.

Mas como mudar esse cenário nesse mundo conturbado de meu Deus?

Em entrevista ao canal Head Talks¹, o fundador do movimento Slow dá algumas dicas e começa dizendo que é preciso parar de querer fazer milhões de coisas: “Nós estamos todos obsessivamente tentando fazer muitas coisas, tentando preencher cada brecha na agenda com mais coisas.” Para isso, sugere que façamos uma lista com tudo o que fazemos no dia e na semana e coloquemos em ordem de prioridade. Depois é ir cortando o que não é importante, sem dó nem piedade.

A segunda dica de Honoré é mais óbvia e a mais difícil para a maioria das pessoas: usar a tecnologia com moderação. “Todos nós podemos achar um momento do dia para desligar, de desconectar da internet, onde podemos criar um espaço para nos mover em um ritmo humano e trabalharmos a nosso favor ao invés de trabalhar para as mídias sociais”, diz ele.

A terceira dica é incluir algum hábito a ser feito sem pressa. “Pode ser yoga, jardinagem, pode ser cozinhar, escrever poesias ou desenhar. A ideia é fazer alguma coisa que te contagie e que te proteja contra o vírus da pressa”, aconselha Honoré.

O jornalista esclarece, ainda, que a ideia não é fazer as coisas suuuuper devagar, mas saber dosar, saber quando ir rápido e quando ir devagar. Tudo se trata de equilibrar o compasso e se dar o direito de escolher o ritmo inobstante as pressões sociais.

E ONDE ENTRAM AS VIAGENS NESSA CONVERSA?

Você há de concordar comigo que viajar é uma das coisas mais prazerosas dessa vida. Cada um tem as suas próprias razões para gostar de viajar, mas na essência, viajar é tão bom porque é o momento de relaxar e aproveitar, é o momento de absorver os lugares, as pessoas e as culturas, é a hora que saímos do nosso mundinho para nos conectarmos com o resto do mundo.  É assim que esvaziamos a mente e recarregamos as nossas energias.

Tudo isso, no entanto, vem sendo deixado um pouco de lado. Hoje vemos as pessoas dando muito importância à quantidade de carimbos no passaporte, ao número de países visitados e às fotos que serão postadas nas redes sociais. As poses feitas em frente do Castelo da Disney são ensaiadas ainda em casa.

É claro que o mundo mudou e não seria diferente com a forma em que os humanos viajam e se divertem. Mas o questionamento é: será que não estamos deixando nada de relevante pra trás?

Viajar sem pressa é uma proposta que volta o seu olhar para as viagens como um meio de crescimento pessoal, de conexão consigo mesmo e de encarar aquela parte do mundo como o seu próprio território e não apenas como um lugar de passagem.

O conceito de Viajar sem pressa, em suma, quer preservar o alto potencial transformador que as viagens sempre tiveram.

Pra isso, é essencial não transformar as férias numa extensão frenética do que é o dia-a-dia. É viajar com liberdade de fazer menos coisas e não se sentir culpado por isso. É deixar a lista de coisas a visitar mais leve, menos pretensiosa. É virar a chave, desacelerar, desconectar e se conectar com o momento.

Para isso, nos moldes do que Carl Honoré ensina, é essencial que durante as viagens você dê o devido tempo para cada coisa, priorizando o que faz mais sentido para cada um. Não se sinta pressionado em fazer tudo o que o guia de viagens sugere, ainda mais se monumentos históricos não é a sua praia.

É importante também que a viagem seja feita no mundo real e que saibamos desconectar (ainda que um pouco) do virtual. Afinal, o que importa o que acontece no facebook quando se está diante do Grand Canyon? Aquele momento nunca mais voltará!

Quando se tem calma e vamos sem pressa, nós escutamos melhor, nós pensamos melhor e nos conectamos melhor com o que acontece naquele instante. Automaticamente saímos da superficialidade e mergulhamos mais fundo nas coisas, coisa rara nos dias de hoje.

Para encarar uma slow travel, é preciso mudar o espírito com o qual a viagem é abordada. Ao invés de conhecer o interior de uma igreja romana do século XII e se forçar a subir as escadarias do campanário só porque todo mundo diz que a vista é “imperdível”, você pode simplesmente sentar na praça da cidade e jogar conversa fora com os senhorzinhos que se reúnem para jogar xadrez.

Assim, a filosofia do Slow Travel tem menos a ver com ser turista e mais com ser viajante. É um período de imersão, onde se busca viver como um local, conhecer os moradores e, preferivelmente, estabelecer conexões. Enquanto no modelo “padrão” de turismo você simplesmente passa pelo lugar, numa viagem lenta você leva algo de valor e transformador consigo. E, preferencialmente, deixa também alguma marca sua e não apenas o seu rico dinheirinho.

Slow Travel: modelo sustentável de turismo

Cinque Terre na Itália, Machu Picchu no Peru. Esse são exemplos de lugares no planeta que acabam sofrendo um grande problema: o turismo em massa. Pessoas chegam e saem todos os dias nestes destinos para fazer passeios que duram apenas algumas horas.

No Fórum dedicado a debater o tema “Slow Food Travel”, no evento Terra Madre de 2018, o Diretor Geral de Turismo do Ministério da Cultura da Itália, Francesco Palumbo, descreveu esse tipo de turismo com uma palavra que me marcou muito: canibalismo.

Se considerarmos o volume de dinheiro deixado pelos turistas nesses lugares todos os anos, a expressão pode ser considerada injusta. Mas falando em termos ambientais, a metáfora é tão dura quanto verídica. Com o tempo, a multidão de turistas acaba “matando” um ecossistema quando “se alimentam” dos recursos naturais de um destino.

Tanto os caminhos de Cinque Terre como os de Machu Picchu sofrem com os efeitos do desgaste e da erosão e por isso as autoridades têm tomado medidas para controlar o fluxo de pessoas nesses lugares.

As viagens lentas, por outro lado, tem uma característica importante que é tentar minimizar os impactos sobre o meio ambiente. Por isso, o turismo lento requerer que o viajante procure destinos menos comerciais e dê preferência a meios de locomoção que possuam baixo impacto ambiental, como as bicicletas, por exemplo.

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Pedal pelas areias desertas do Pontal do Peba, Alagoas

SLOW FOOD TRAVEL: 
sua próxima viagem gastronômica também pode ser desacelerada

O termo “Slow Food Travel” foi criado pelo movimento Slow Food, a organização mundial que promove o alimento bom, limpo e justo, buscando conscientizar as pessoas do valor do produto, do produtor e do impacto da cadeia produtiva inconsciente no meio ambiente.

Ao propor o modelo Slow Food de viagem, a organização fundada por Carlo Petrini em 1986 quis incentivar uma nova forma de turismo alinhada com a filosofia do movimento, ou seja, baseado num ritmo mais tranquilo e focado na valorização da cultura gastronômica.

A ideia é que a sua viagem gastronômica de férias seja mais do que uma lista de mercados e restaurantes a serem visitados. O Slow Food Travel propõe uma interação direta com produtores de queijos, vinhos, com agricultores, açougueiros e padeiros. Cozinheiros tradicionais e chefs de cozinha tem o papel fundamental de promover os ingredientes locais.

O objetivo, segundo o movimento, “é aproximar os viajantes à preservação da biodiversidade alimentar e à compreensão das culturas, identidades e gastronomias locais”

Resumindo, não é apenas conhecer um lugar, ou provar a sua comida típica, mas fazer parte daquele território, ainda que temporariamente. É fazer das suas férias uma experiência autêntica, próxima a natureza, vivendo as tradições de um outro povo.

Para quem quiser se aventurar nas próximas férias em uma experiência diferente e certamente reveladora, a sugestão de destino do Slow Food é Carinthia, no sul da Áustria.

O que você acha de curtir as paisagens montanhosas da Áustria e vivenciar a vida bucólica dos alpes enquanto observa os locais assando deliciosos pães, produzindo queijos, preparando cerveja e fazendo manteiga que você terá oportunidade de experimentar depois?

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A paisagem bucólica da Áustria

Ficou interessado? Pelo site https://www.slowfood.travel/en você consegue obter maiores informações.


¹ A entrevista está disponível em www.youtube.com/watch?v=y0DzFkjEMoY
² Conforme informações publicadas em https://www.fondazioneslowfood.com/en/what-we-do/slow-food-travel/

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