Visitando a Casa do Saulo e provando comida Tapajônica!
Lá pelas cinco da manhã a bexiga reclamou. Já era hora de estar de pé. Porém, diferentemente do que acontece no Nordeste – onde o sol nasce bem cedinho – no Norte do Brasil ele só dá as caras pelas sete horas.
Então, atendido o despertador biológico, voltamos mais um pouco para a cama (na nossa casinha mesmo). Mas a ida ao banheiro tinha revelado uma curiosidade típica do Norte do país. Os hóspedes – e também o dono do hostel onde ficamos – dormiam em redes que circundavam toda a varanda da casa. De lado, de frente, de bruços, … a coluna do nortista é preparado para dormir em redes desde recém nascido!
Contou-nos certo cidadão amazonense que o bebê é embalado em pequenas redes montadas sobre o berço. Já mais velhos, os quartos ganham redes maiores, disputando espaço com a cama, se é que essas são adquiridas algum dia.
Meia hora depois já não conseguíamos mais ficar deitados (isso na cama, imagina se fosse em uma rede!). Sorrateiramente eu, Dani, passei pelas redes novamente para chegar até o tanque e lavar roupas. Vinicius foi à padaria comprar pãezinhos para o café da manhã.
A população hippie do hostel permanecia dormindo em suas redes, enquanto passávamos o café na cozinha comunitária. Dividimos espaço com gatos e cachorros, grandes e pequenos. Apesar de solícitos e da paz, limpeza não era realmente um dos atributos daquela galera zen. Ao lavar a louça, a água acabou e não havia ninguém acordado para resolver o problema.
Àquela altura já havíamos desencanado com o sossego alheio e começamos a dar um trato em nosso carro/ casa. A poeira da transamazônica tomou conta de cada centímetro do carro.
Tudo ficou mais fácil quando alguém da comunidade hippie levantou e colocou a bomba d´água para funcionar.
Carro limpo, louças e roupas lavadas, banho tomado. Estávamos prontos para conhecer mais da cozinha Amazônica. Pagamos o hostel sem a certeza se voltaríamos pra lá para passarmos mais uma noite, já que o barco que nos levaria para Manaus só sairia no dia seguinte.
Partimos para conhecer Chef Saulo Jennings, que estaria nos aguardando a partir das 11 horas. Mas ele teve que esperar um pouquinho mais…
O GPS nos mandou pela “estrada mais rápida”, o que, nesse caso, significou se entranhar pela mata fechada. Como o caminho indicava mudança de direção em apenas 1 quilômetro, achamos que estava tranquilo seguir por ali mesmo. Mas a mata foi ficando cada vez mais fechada e voltar já não era possível. Não havia como fazer a volta com o carro e voltar de ré era inimaginável por conta da visão comprometida e do terreno acidentado.
Os galhos e cipós que tomaram conta da “estrada-atalho” do Google Maps foram se emaranhando nas nossas bicicletas, que ficam um pouco acima da altura do carro. Por duas vezes descemos do carro para soltar os cipós que acabaram entortando uma roda, um guidão e o próprio suporte das bikes.
Mas estávamos mesmo preocupados com a placa de energia solar. Essa, graças a Deus e à tecnologia da placa, nada aconteceu com ela.
Quando finalmente a estrada parecia ter fim e o GPS apontava apenas 160 metros daquele trecho, um tronco já seco de Abiurana, conhecida também como pau-ferro, surgiu no meio do caminho, atravessado de lado a lado, impedindo a nossa passagem.
Como já dito, voltar era impossível. Tínhamos que dar um jeito de removê-lo. Não havia sinal de telefone, muito menos de internet para avisarmos Saulo ou pedir ajuda.
Foi a vez das ferramentas e material de apoio tático selecionados pelo Vinicius fazer o seu papel. Com um machado, ele deu uns golpes no tronco e de cara deu pra ver que não seria fácil parti-lo. A madeira era bem dura e outras marcas de facão sinalizavam que mais alguém havia tentado, sem sucesso, desobstruir a estrada.
Erguer o troco pareceu mais fácil. Pegamos então o hi lift, mas a tentativa foi frustada. Não havia outro jeito, só o machado nos tiraria daquele lugar. Respiramos fundo e começamos a machadar. Quando um cansava, era vez do outro empregar todas as forças contra o tronco.
Quando uma boa parte estava desbastada (mas ainda sem ver fim naquilo tudo), Vinicius amarrou no troco uma das cintas de reboque que carregamos no carro. Vi a colocou firme na parte em que havíamos golpeado a árvore e amarrou a outra ponta no suporte anterior do carro. Com um puxão de ré, a árvore finalmente se partiu. Alívio! Com um pouco mais de força, Vi colocou o troco para as margens do caminho e conseguimos passar.
Sujos, suados, cansados, chegamos na Casa do Saulo atrasados em mais de uma hora. Depois de um pedido de desculpas e da explicação sobre o motivo do atraso, Saulo nos cedeu um chuveiro para que pudessemos nos recompor.
Depois de enfrentarmos cozinha e banheiro sujos (no hostel), a falta de água, uma faxina das boas no carro, um caminho floresta a dentro e fazer a remoção de uma árvore, estava na hora da gente se divertir do jeito que a gente mais gosta.
Chef Saulo nos mostrou sua casa, seu restaurante, contou sua história, mostrou sua arte culinária e, ao final do dia, já havíamos feito um amigo. Ao menos foi assim que nos sentimos na casa de Saulo, como se fôssemos velhos conhecidos. Isso só não era verdade porque as histórias contadas naquele dia – as dele e as nossas – eram inéditas. Enquanto tínhamos o privilégio de conhecer mais sobre a cozinha amazonense através de um dos melhores chefs do Pará e do Brasil, tínhamos também o prazer de conhecer sua trajetória que o levou ao sucesso e ao reconhecimento.
Mas não há espaço para estrelismo na Casa do Saulo e certamente por isso nós nos sentimos tão bem acolhidos.
Há oito anos Saulo resolveu abrir as portas da sua casa e transformá-la em um restaurante. Na época, vinte lugares lotavam o estabelecimento. A qualidade da comida e do serviço ganharam cada vez mais fãs e o que era praticamente um bistrô virou quase um beach park. Piscinas, lounge, mirantes e acesso ao vultoso Rio Tapajós fazem parte da estrutura da Casa do Saulo que hoje comporta 400 pessoas e recebe eventos de todos os tipos (casamentos, festas de réveillon, formaturas, …). E não é pra menos. O lugar é lindíssimo, muito bem decorado e com uma vista para o rio de perder o fôlego.
E a comida? A comida de Saulo é um capítulo a parte.
Provamos pirarucu ao leite de castanhas do Pará com camarões, chicória e banana da terra. Quer algo mais paraense? Acrescente suco de cupuaçu fresquinho para acompanhar. Sensacional e deliciosamente brasileiro! (Assista ao preparo no nosso Canal do YouTube clicando aqui!)
Ao final do almoço Saulo e Ana, sua esposa e braço direito no restaurante, nos convidaram a pousar por ali mesmo. O convite foi aceito. A oportunidade de dormir e acordar com aquela vista do Tapajós não podia ser ignorada.
Antes que o sol se pusesse fomos até ele e mergulhamos nas suas águas calmas e mornas. E ali, naquela imensidão de água, novamente nos demos conta de quanto nosso país é abençoado, de quando a natureza é farta e generosa com o homem, de como somos pequenos diante de tudo isso.
A noite caiu e tivemos o prazer de provar outra iguaria feita por Saulo: canja de galinha.
Isso mesmo. Juntamente com alguns de seus funcionários sentamos ao redor de uma panela que alimentaria 30 pessoas. Canja, farinha e pimenta com tucupi. E se ainda faltava alguma coisa para nos sentirmos em casa, com a partilha do caldo e da sagrada farinha do paraense já não faltava mais nada. Confort food, ou comida afetiva, como preferimos nos referir. Alimenta o estômago e aquece a alma.
Que dia perfeito!
A passagem de vocês em nossa casa , quer dizer em nossas vidas , nos encorajou mais ainda em nossos planos futuros… Boa viagem e nos encontraremos uma hora em qualquer lugar desse mundo