E de repente era quarta-feira, 16 de maio.
De repente? Os dias seguem uma ordem cronológica, ué! É que acontecem tantas coisas todos os dias que não raro perdemos a noção de tempo e espaço. Não sei se já aconteceu com você, mas tem vezes que fica difícil até mesmo lembrar se tal fato aconteceu há dois dias ou há algumas horas.
É por isso que nos pegamos constantemente falamos em voz alta o nome da cidade ou país em que estamos.
– Amor, estamos no México!, digo, nos fazendo lembrar tudo o que percorremos pra chegarmos até aqui. Uma espécie de mantra que serve de bússola mental, um jeito de nos situarmos no espaço geográfico.
Bem, o GPS nos dizia que estávamos em Playa de Carmen. Acreditamos, embora nem tínhamos visto a cor do mar. Mas não estamos atrás de praia, nossa viagem não é de férias. Nosso foco é aprendizado! E foi exatamente isso que Olga Rodriguez, chef mexicana especializada em cozinha yucateca, nos proporcionou.
Chegamos em seu restaurante, o Xnipek, um pouco mais das nove da manhã e saímos quando já passavam das três. Com a ajuda de Olga conseguimos aprender várias coisas do que se conhece por cozinha Yucateca.
A primeira grande informação foi a de que o Estado de Quintana Roo onde ficam as cidades de Tulum, Playa del Carmen e Cancun é um estado muito recente, criado a menos de 50 anos e portanto a cozinha típica dessa parte do México segue sendo a praticada em Yacatan, cujo estado pertencia o que hoje é Quintana Roo.
Assim, essa pontinha do México está mesclada com as tradições maias, yucatecas e dos milhares de estrangeiros – especialmente franceses e italianos- que estabeleceram residência nessa parte paradisíaca do planeta.
Em poucos anos é possível que se diga que o prato típico de Quintana Roo será pasta com frutos dos mar. Isso porque comparando o número de italianos que com a força da sua cultura e culinária montaram seus restaurantes na área, a quantidade de restaurantes com comida típica yucateca é muito inferior.
Essa é uma consequência forte da globalização. O tradicional perde espaço para o gosto standard dos lugares mais cosmopolitas. Tudo bem que comida italiana tem tanta força, que tem esse poder de se estabelecer com muito sucesso em qualquer parte. Mas estamos falando de México! Um país cuja riqueza gastronômica é impressionante.
Por isso é tão importante o trabalho de Olga, que mantém acesa a tradição culinária yucateca. Poder conversar com ela por algumas horas foi como entrar no castelo da cozinha mexicana pela porta da frente e com tapete vermelho estendido. Incrível!
Entre moles, recados, salsas e chiles fomos absorvendo as preciosas informações de Olga, que se formou na Le Cordon Bleu depois que já tinha 3 filhos, já havia realizado vários eventos e aberto sua confeitaria.
Diferente das cidades de Yucatán, onde todas as casas possuem um espaço onde são cultivadas hortas, em Quintana Roo os terrenos são pequenos, em espaços sem quintal e por isso a tradição de plantar o alimento se perdeu por aqui. A falta de terreno também modificou a receita da mais tradicional receita yucateca: a cochinita pibil. No estado de origem, o porco era assado embaixo da terra, o que já não é feito em Quintana Roo. Fornos convencionais ou, no máximo, à lenha, se encarregam de fazer o serviço.
O restaurante já tem dois anos e meio. A pasteleria é uma fusão entre as técnicas francesas e a gastronomia yucateca, com uso de produtos típicos dessa zona, como o bolo de “queso de bola”.
O queijo de bola é na verdade um queijo holandês muito utilizado por essas bandas. Como ele veio parar aqui? Olga nos contou a história, segundo ela mais factível, de que os barcos piratas holandeses traziam queijos e um deles estava furado, porque havia ratos na embarcação. Como não quiseram desperdiçar o queijo, o rechearam com carne e assim nasceu o prato chamado de Queso Relleno, feito até os dias de hoje. O mesmo queijo serve agora para ser usado em outras preparações, como o bolo vendido na confeitaria de Olga.
O sabor do bolo? Incrível!! Doce com salgadinho do queijo…hum!! Fora que a massa de baunilha estava bem molhadinha com um preparo de três leites e não ficou açucarada. O recheio com queijo de bola suavizado com creme de queijo ficou sensacional. Tudo bem equilibrado, na medida! (Salivo só de lembrar do sabor do bolo!)
Mas essa foi a parte final do nosso almoço. Começamos pelos salgados, justamente pelo queso relleno. Todo o recheio é retirado, deixando só a casa. Uma parte do queijo é misturada com carne picadinha (originalmente de porco) e cozida com amêndoas, passas, alcaparras. Essa mistura é colocada dentro do queijo que é envolto em folha de plátano e depois cozido ao vapor. Na hora de servir, uma fatia de queijo é banhada por uma “k’ool “ branca, um creme feito de caldo de frango espessado com farinha de trigo. Por cima, vai um pouco de salsa de tomate frito. E está aí uma das preparações que mais gostamos dentro de inúmeras que tivemos oportunidade de provar no restaurante de Olga.
Provamos ainda Sopa Lima e Relleno Negro, este último um impressionante prato coberto com um molho completamente preto. A preparação é feito com recado negro, que é uma pasta feita com pimentas e chiles queimados completamente. O prato leva uma almôndega grande feita com frango recheada com um ovo cozido que é cozida dentro do caldo negro, razão pela qual a carne ganha a mesma coloração. A aparência do prato é surpreendente e o sabor mais ainda. Achávamos que seria amargo, por conta do queimado das pimentas, mas não. O sabor é diferente, se sente o tostado, mas é super agradável. (Só não comemos o prato inteiro porque tínhamos muitas coisas para provar).
Também provamos o prato feito com Lomo de Porco em quadradinhos, cozinhado em molho de tomate, acompanhado de feijão “colado”, que é o grão de feijão amassado e tradicionalmente passado por uma peneira (hoje o feijão é passado no liquidificador para fazer a massa). O jeito certo de comer é com tortilha, e claro, fica uma delícia!
Esses foram só alguns dos pratos que provamos. Olga nos fez um verdadeiro banquete e nos deu uma aula de cozinha yucateca. Uma oportunidade incrível! Não vemos a hora de poder tentar reproduzir algum dos sabores que aprendemos.
E assim fechamos nossa passagem por Playa del Carmem. Muita informação, novas ideias e sabores que nos deixaram ainda mais fãs da cozinha mexicana.