Barolo: os detalhes e curiosidades do vinho italiano

Conhecendo o terroir mais respeitado da Itália

BAROLO. Foi da boca de Vinicius – apaixonado inveterado por vinho – que eu escutei essa palavra pela primeira vez. No auge dos meus 22 anos eu nunca tinha ouvido falar do “rei dos vinhos, o vinho dos reis”, ou simplesmente o melhor vinho do mundo. Tudo bem, essa pode não ser uma opinião unânime, mas é difícil encontrar revistas especializadas, enólogos e amantes da bebida que não tenham um apreço especial por um Barolo.

Passada mais de uma década, a palavra se fez vinho. Eis que chegamos à terra onde são produzidas as garrafas que, em uma seleção reserva, chegam a custar fácil 600 euros. As propriedades da região vitivinífera italiana não costumam ser vendidas, mas uma rara e recente transação imobiliária levantou a cifra de 70 milhões. De euros!

Esses são apenas alguns dos números por trás da história do Barolo. Quem nos contou essa e outras curiosidades da região foram alguns amigos que afortunadamente conhecemos aqui na Itália e que vivem nos arredores das belas montanhas apinhadas de vinhedos.  

Marco Dotta, em particular, é um enólogo com quase trinta anos de profissão. Hoje está à frente da produção dos vinhos da Dosio, uma vinícola fundada em 1974 em La Morra. O município é responsável por cerca de 40% de toda produção de Barolo DOCG, já que possui a maior superfície territorial com permissão para produzí-lo entre os 11 pequenos vilarejos com esse direito.

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Marco Dotta, enólogo responsável pelos vinhos da Dosio Vignete

Feito de uva 100% Nebbiolo, o Barolo se origina no coração do Langhe, numa área aproximada de 22 km² que não respeita os limites políticos precisos dos municípios, mas se estende pelo território de 11 deles: Cherasco, Verduno, Roddi, La Morra, Grinzane Cavour, Castiglione Falletto, Diano d’Alba, Barolo, Novello, Serralunga d’Alba e Monforte d’Alba.

Geograficamente, a região está localizada numa área abençoada pela natureza. A cadeia apenina protege os vinhedos da massa de ar marítima ao tempo que mantém uma temperatura amena garantindo a conservação da uva e dos seus aromas. O solo, que já foi coberto pelo mar há milhões e milhões de anos atrás, é formado de argila, calcário e areia. Quando esses três elementos se encontram o resultado é um Nebbiolo encorpado, com uma densidade em boca especial.

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Dois mil e duzentos hectares são aptos a produzir Barolo
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A região de Barolo é tomada por vinhedos: cada centímetro vale muito

Essas características fizeram com que, já no início do século XX, a zona produtora de Barolo fosse delimitada pela primeira vez. Em 1966 ganhou o selo DOC e, em 1980 foi reconhecido, por fim, como produto de Denominação de Origem Controlada e Garantida.

A proteção legal tem a finalidade de garantir a qualidade do produto cujas características peculiares dependem do método de produção e/ou exclusivamente do território em que foram produzidas. Ou seja, não é possível obter um produto idêntico fora de uma área específica.

O selo de proteção impede o uso da denominação, mas não a produção de vinho com a mesma uva em outras regiões ou mesmo outros países. Estão aí nossos amigos mexicanos do Vale de Guadalupe que não nos deixam mentir.

Leia mais sobre os vinhos mexicanos produzidos com a uva Nebbiolo

De quantas uvas é feito um Barolo?

Para que um vinho possa ser chamado de Barolo, Marco nos contou que ele deve reunir as seguintes condições:

1- Há que ser um monovarietal, produzido cem por cento com uva Nebbiolo.

2– A uva deve ser obrigatoriamente cultivada no território demarcado, cujas vinhas estão entre 180 a 540 metros acima do nível do mar.

3- A produção máxima não pode ultrapassar 8 toneladas por hectare.

4- O teor alcoólico de um Barolo deve ser de no mínimo 13%.

5- Antes de serem colocados no mercado, o vinho deve ser submetido a uma análise físico-química preliminar e a um exame organoléptico que ateste a conformidade da bebida com os requisitos de qualidade (o que efetivamente não chega a ser uma dificuldade para os produtores da zona).

6- O vinho deve envelhecer em cantina por pelo menos 3 anos, sendo que desse período, o Barolo deve repousar ao menos 18 meses em barris de madeira. No quarto ano após a vindima, o Barolo pode ser comercializado com esse nome.

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Barolo DOCG Serradenari 2014: para ocasiões especiais

Se o vinho é produzido nos limites geográficos protegidos do território, mas fora da altitude ideal, o vinho não pode ser chamado Barolo, mas pode ser engarrafado como Nebbiolo D´Alba ou Langhe Nebbiolo. A qualidade é igualmente indiscutível.

Após 5 anos de envelhecimento, com no mínimo dois em madeira, o Barolo pode ser denominado ‘Reserva’.

Para o envelhecimento, os barris de carvalho são considerados ideais. Na vinícola Dosio, são utilizadas pequenas barricas de carvalho francês e barricas maiores de carvalho eslavo. Depois de um longo período de envelhecimento na madeira, que é de no mínimo 18, mas pode ultrapassar 30 meses, o vinho é engarrafado e ali remanesce descansando por mais um ano, antes de ser rotulado e vendido.

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A velha barrica de carvalho completa o cenário em
Monforte d’Alba

Segredos da fabricação do Barolo

Um bom vinho é resultado da união de uma dezena de detalhes. Plantio, poda, colheita, esmagamento, fermentação, maturação, engarrafamento. Cada etapa conta com particularidades que fazem diferença na taça. Nessa visita à vinícola Dosio descobrimos algumas:

-Para produzir um grande Barolo a idade da vinha é um fator muito importante. Ela deve ter no mínimo entre doze e quinze anos. Quanto mais velha, maior a qualidade da uva para produzir um vinho de longo processo de envelhecimento, como é o caso do Barolo.

-O processo de maturação feito em uma barrica menor – onde se têm pouco vinho,  muita superfície de contato com a madeira e, portanto, uma troca maior de oxigênio entre o interior e o exterior do barril – é mais rápido que o feito em grandes tonéis. A vantagem, segundo o enólogo, é que o vinho trabalha melhor a sua acidez e os taninos,  ganhando equilíbrio e suavidade agradáveis ao paladar.

-O oxigênio tem um papel fundamental tanto para o aspecto estético quanto para o paladar. Graças a ele, o vinho ganha uma cor mais intensa, em comparação a um vinho envelhecido em barril de inox hermético, por exemplo. Na boca, o vinho fica mais suave, já que o oxigênio retira o excesso de “aspereza” tanínica, que é a característica típica dos vinhos tintos.

-A vinhas do topo do vinhedo produzem os vinhos mais importantes porque com a ação da água e da erosão os sedimentos são levados para baixo do vale, assim como a parte fértil do solo. No topo, as vinhas nascem sob “stress”, mais expostas ao sol e isso paradoxalmente faz com que as uvas cresçam com melhor qualidade.

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Dolcetto, Barbera e Arneis também fazem parte da produção da Dosio

A história por trás da fama

Registros históricos relatam que em 1600 os vinhos já eram produzidos a partir da Nebbiolo e consumidos pela nobreza da Casa Real de Sabóia (e por isso é chamado de “vinho dos reis);

Dois séculos e meio depois, o Barolo ganhou 7 medalhas de ouro em uma premiação em Viena o que marcou início da fama do vinho, conhecida até hoje.

Antes disso, o vinho típico, o mais consumido da região, era o Dolcceto. Os Barolos ficam encalhados nas prateleiras. “O cliente que chegava na cantina para comprar um Dolcetto acaba ganhando meia dúzia de Barolo para levar para casa”, lembra Marco.

É certo que havia uma razão para isso. No início da produção do Barolo, o vinho possuia uma elevada acidez, era quase imbebível. Com o passar dos anos reduziu-se a quantidade de vinhas e a poda passou a ser mais seletiva. Perdeu-se em quantidade, mas ganhou-se em qualidade. Com menos uva, aumentou-se a concentração de açúcar e consequentemente de álcool. O vinho ganhou mais corpo, mais cor e perdeu a acidez indesejada.

A mudança climática

Na época em que as vinhas foram plantadas mais espaçadamente para garantir o espaço para mais cachos de uvas, a qualidade das safras sofriam muito mais variação que hoje. Diz-se que naquela época, havia a regra das 3 safras, quando no primeiro ano a produção iniciava discreta, no segundo era boa e no terceiro era ótima. Depois, por um par de anos as safras vinham ruins.

Era a natureza, exclusivamente, que mandava na qualidade do vinho. Hoje, esclarece Marco, mesmo com todo o cambiamento climático, as safras são uniformes, com alta qualidade. Diversas técnicas hoje são aplicadas às vinhas para controlar a umidade, calor ou frio intensos.

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Em fevereiro as vinhas adormecem

O que esperar de um Barolo

As características organolépticas de um Barolo podem variar de uma vinha para outra, de uma vinícola para outra, de uma safra para outra. Contudo, respeitando as diferenças pontuais, arriscamos a traçar um perfil para o rei dos vinhos.

Cor: viva, principalmente quando maturado em barris de carvalho de pequeno porte.

Estrutura: quando jovem, é robusto e com forte tanino. Depois
de envelhecido na madeira, se transforma em uma estrutura elegante e aveludada, com taninos suaves.  

Aroma: intensos e abertos, evoluem de fruta para a especiaria. Sente-se essencialmente a presença de cereja, amora, baunilha e tabaco. No Barolo Dosio Serradenari identificamos curiosas notas que remetem a mel fresco.

Sabor: baixa salinidade e equilibrada acidez.

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Grappa de Barolo: e por que não?
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Sala de Degustação da Dosio: aprazível ao paladar e aos olhos

Dica de Harmonização com Barolo

Para quem decidiu viver a “experiência barolo” e quer uma sugestão de harmonização, Vinicius aconselha um prato com sabores mais intensos para parear com a robustez do Barolo. Carne vermelha e risotos ricos em queijos são ótimas opções.

Já eu, Dani, aconselho prová-lo assim que o brinde for feito, no início do jantar. Desfrute toda a potencialidade do vinho apreciando exclusivamente o conteúdo da taça. Harmonize seu Barolo – isso sim – com uma companhia muito especial .


Dê o play e assista ao vídeo que fizemos na região do Barolo!

[su_box title=”Vinícola Dosio” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″ class=”Fishmarkt”]Onde Fica: Regione Serradenari, 6 La Morra – Cuneo, Itália
Horário de Atendimento: Segunda à Sábado, das 9h -12h | 15h – 18h
Degustações mediante reserva pelo e-mail [email protected]
Site: http://www.dosiovigneti.com
[/su_box]

 

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