Sem dinheiro? Vá viajar!

vale do paty

Não lembro bem quando tudo isso começou, não lembro onde, nem consigo lembrar o porquê. Para mim parecia uma coisa tão natural, como continuar os estudos, se formar, trabalhar, casar, ter filhos, netos e enfim descansar. É engraçado como somos levados por caminhos automáticos na vida, ninguém pensa se tem ou não que estudar, a sociedade nos faz pensar que não existe outro caminho, assim como todo o resto de uma vida considerada normal.

Vivi minha adolescência em uma cidade onde o carro faz uma grande diferença na vida das pessoas, não por sua utilidade primária, mas pelo status que o carro trás. Via amigos meus, com seus 15 anos de idade, desfilando pelas ruas de Blumenau com seus carros zero. Era uma realidade com a qual não estava acostumado em São Bernardo, mesmo porque com 15 anos meu pai ainda não me deixava nem sair sozinho de casa, quanto mais dirigindo um carro!

Quando penso no quanto aquela necessidade maluca de ter um carro zero, de poder ostentar uma posição através de um bem, me parecia fora da realidade. Não me entendam mal, amo Blumenau, fiz vários amigos nesta cidade e vivo muito bem nela. E hoje em dia essa necessidade passou, como em todo o mundo o pensamento agora é qualidade de vida.

Cheguei onde queria chegar, pode parecer um clichê, mas: o que você faz para ser feliz? Você realmente busca um lugar a sombra para apreciar a sua vida? Você corre atrás dos seu sonhos ou dos sonhos dos outros?

Mesmo antes de filosofar sobre o assunto, acho que de algum modo eu já sabia que o meu sentido na vida era conhecer lugares novos. Eu não precisava de mais do que uma palavra para cair na estrada. Desde o começo, eu viajava de qualquer jeito, carona, a pé, bicicleta, ônibus, carro ou avião.

Tenho uma história que conto para maioria das pessoas, ainda mais aquelas que me dizem que não viajam porque não tem dinheiro para isso. Um dia estava no Campus da Universidade e uma amiga veio me contar que talvez tivesse vaga sobrando em um ônibus que iria partir para a Chapada da Diamantina no dia seguinte e se eu queria tentar ir junto na viagem. No dia seguinte, estava eu, no centro de Florianópolis, com mochila, barraca, saco de dormir e tudo mais. Conversei com os responsáveis pelo ônibus da possibilidade de ir junto já que teriam bancos vazios, eles se reuniram com o resto dos passageiros e após alguns minutos de conversa, vieram me dizer que teria um pessoal subindo no ônibus em São Paulo e se completasse o ônibus eu teria que descer em São Paulo, detalhe, isso seria as 3 da manhã!

Sou um cara de sorte, mas como disse um fotógrafo famoso “Quanto mais você se esforça e trabalha, mais sorte você tem”, enfim, não tive que descer em São Paulo e consegui chegar na Chapada da Diamantina com o ônibus.

Agora vem um detalhe interessante, eu estava com somente R$ 20,00 no bolso e o congresso iria durar 10 dias, e agora José?

Quando chegamos no ponto final do ônibus, na cidade de Palmeiras, ainda teríamos que pegar uma lotação, com um 4×4 para chegar no vale do capão, onde seria o Congresso. O problema era que tínhamos que pagar R$ 10,00 por pessoa para usar esse transporte, ou seja, metade do meu dinheiro. A decisão até que foi fácil, optei por fazer os 40 km a pé. Por sorte consegui enviar minhas coisas com a Julia, a amiga que tinha me falado sobre essa viagem lá na Universidade.

O começo da caminhada foi tranquila, estrada de terra, bastante poeira, pouco movimento, sem o mochilão nas costas, para que já estava acostumado a andar foi um passeio no parque. No meio do caminho encontrei com um cara e duas mulheres, deviam ter a minha idade na época, não me pergunte seus nomes pois não me lembro. Continuamos então a caminhada. No meio do caminho nos deparamos com uma cachoeira enorme, tipo aquelas do filme lagoa azul, acho que isso inspirou meus companheiros, pois logo os três sacaram as roupas fora e pularam na água. Como não podia ser o do contra, segui os passos e fui junto para minha primeira experiência nudista, engraçado como o corpo humano pode deixar de ser um mistério pelo simples fato de ser mostrado em sua forma natural, longe da maldade que as pessoas pensam quando pensam em nudismo, tudo se torna muito natural.

Banho tomado, timidez deixada de lado, e agora vamos continuar a caminhada, tenho que dizer que foi cansativo no final percorrer aqueles 40 km no sol da Bahia, mas definitivamente valei a pena. Quando cheguei no Vale do Capão, onde iria encontrar a Julia com as minhas coisas, comecei a perguntar onde ficava a tal ecovila onde ela estava hospedada, me indicaram o caminho e segui meu rumo a passos largos, pois já anoitecerá. Chegando lá tive uma surpresa, tinha na verdade 3 ecovilas no vale do Capão e tinha ido parar na errada. Acho que devo ter andado mais uns 5 km para chegar na certa e enfim encontrar minhas coisas, já estava cansado.

Sabia que precisava dar um jeito na minha condição financeira, então como a Ecovila estava hospedando o pessoal do congresso, fui conversar com os responsáveis para ver se precisavam de alguém para ajudar na cozinha, afinal sempre foi minha paixão. Por sorte eles gostaram da ideia e me disseram que eu deveria fazer o café da manhã e o almoço para os hospedes e estaria livre a tarde para conhecer a Chapada da Diamantina. Dito isso, arrumei um espaço para montar minha barraca, ajeitar minhas coisas e finalmente dormir.

Os dias que se seguiram foram maravilhosos, acordava antes das galinhas, arrumava lenha, pois tudo era feito no fogão a lenha, acendia o fogo, fazia o café, arrumava a cozinha comunitária da vila, preparava o almoço e a tarde conhecia as várias cachoeiras da região. Alguns dias tinha que cavar alguns buracos, pois não haviam banheiro para o pessoal do camping, então vocês pode imaginar como funcionava. A pessoa ficava de cócoras, fazia o que tinha que fazer e jogava um punhado de terra no buraco.

Conheci muita coisa por lá, infelizmente não tenho nenhuma foto, até levei a máquina, mas como não tinha dinheiro não pude comprar filme. Visitei várias cachoeiras, fiz muitas trilhas, a maioria sozinho.

Uma das cachoeiras mais impressionantes que conheci por lá foi a Cachoeira da Fumaça, no caminho você já vai imaginando o que vai encontrar lá encima, pois é considerada a cachoeira mais alta do Brasil. Logo, você tem que subir muito para chegar no seu ponto mais alto. Lembro que a subida foi bem pesada, tivemos que pegar uma inclinação quase vertical com muitas pedras, não lembro bem quanto tempo demorou para chegar no topo, mas lembro que foi bem puxado. Chegando no ponto alto, você vai se deparar com um grande planalto com uma vegetação rasteira e alguns pontos de água pelo caminho, um lugar muito bonito.

Quando estávamos quase na cabeceira da cachoeira encontramos um pessoal com umas mulas e um monte de equipamento, estavam montando uma barraca enorme, tinha botijões de gás, fogão industrial, umas panelas grandes e vários outros badulaques. Ao pararmos para perguntar o que estava acontecendo ali, num lugar tão distante da civilização, com um grau de dificuldade considerável para ser alcançado, veio a resposta. Eles eram de uma operadora de viagem local e estavam montando acampamento para 80 holandeses, isso 80 holandeses. Por sorte só iriamos passar uma noite lá, pois ir até um lugar “deserto” para acampar em meio a uma bagunça daquele tamanho, definitivamente não era o que queríamos.

Vamos falar de coisas boas, a cachoeira da fumaça realmente impressiona, quando você está em pé na pontinha da cabeceira e percebe que a água que está caindo acaba subindo de volta e batendo no seu rosto(vento), você quase não acredita. Ao olhar lá para baixo, naquela encosta gigantesca da chapada, você se dá conta que está a uma altura de 340 m de onde as águas vão encontrar seu caminho junto ao chão novamente. A vista é realmente de tirar o folego, talvez até mais do que a subida até lá.

Acabamos acampando bem junto a cabeceira, tomando cuidado para não ficar no caminho da água, pois a Chapada da Diamantina também é famosa por suas trombas d’água.

A noite foi de lua cheia, podíamos ver todas as belezas lá de cima, quase como se fosse um dia nublado, porém a luz era branca e não amarela como a do Sol.

A noite foi bem tranquila, depois de toda a subida que enfrentamos com as mochilas nas costas, dormimos como crianças voltando da pré escola.

Ao amanhecer recolhemos acampamento e nos preparamos para descer todo o trajeto, graças a juventude que nos tomava na época, conseguimos chegar perto do meio dia na Vila do Capão. Ainda estava meio preocupado em como conseguiria meu almoço, já que não havia trabalhado naquele dia, eis que percebemos uma agitação nas casas e logo surgiram pessoas de dentro das casas para nos, literalmente puxar, para dentro de suas casas e nos servir um banquete, “mas o que está acontecendo” da onde vinha tudo aquilo? Me lembro como se fosse hoje, aquele povo humilde me convidando para entrar e sentar a mesa junto a eles. No final descobri que era dia de São Cosme e Damião, pelo que me explicaram, todos que tem filhos gêmeos tem que preparar comida para todos e se faltar dá azar, acho que naquele dia comi em umas três casas diferentes.

Acabei ficando os 10 dias lá, aproveitei tudo que podia e não podia, conheci muita gente legal por lá, aprendi muito sobre a região, sobre a religião, sobre a cultura e então era hora de voltar.

Acabei por voltar com o pessoal do ônibus que haviam me dado corona, cheguei ao centro de Florianópolis com dinheiro para pegar a condução até o Campeche e com uma rapadura de 3 kg.

Agora se você é uma dessas pessoas que tenta se enganar dizendo que não viaja porque não tem dinheiro, bom se chegou até aqui espero que minhas palavras lhe ajudem a colocar o pé na estrada e aproveitar o que a Terra nos oferece.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *