Quanta carne você come por semana?

Não sei para vocês, queridos leitores, mas a pergunta do título é bem fácil de ser respondida por nós dois. Nos últimos dois meses quase não comemos carne. Uma vez por semana, se muito. Exceções bem pontuais aconteceram nos nossos encontros com brasileiros nos Estados Unidos, porque nessas ocasiões sempre rolava um churrasquinho.

Fora isso, desde que entramos nos Estados  Unidos, nossas escolhas tem sido mais para as saladas ou algum prato feito com o que há de mais barato no mercado. E, como você pode imaginar, a carne nunca está entre essas coisas.

Antes disso, lá no México, a coisa era diferente. Comíamos muita carne, quase todos os dias, principalmente de porco. O preço não era nada absurdo e um bom taco, torta ou quesadilha sempre vinham com carne desfiada, de várias partes do animal, incluindo cérebro e tripas.

Mas por que a pergunta, Dani e Vini?

Bem, esse questionamento foi feito ao público durante o Terra Madre, como parte das políticas de conscientização sobre o consumo da carne e achamos interessante reproduzir aqui alguns pontos levantados no evento.

Antes que você pense que o movimento Slow Food prega a abstinência total de carne, já vamos dizendo que não é o caso. Mas, acreditamos que reflexões acerca dos efeitos da criação de animais para o consumo humano podem certamente levar muitos a adotarem o veganismo.

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Carnitas de Michoacán feitas com porco de rancho orgânico: sabor difícil de esquecer

O QUE ESTÁ POR TRAZ DO CONSUMO DE CARNE

Segundo dados divulgados no evento – que é o maior dedicado ao alimento – , só na segunda metade do século XX o consumo mundial de carne quintuplicou. Os 45 milhões de toneladas de carne consumidos por ano em 1950 saltaram para 300 milhões de toneladas em 2018. E há previsão de que esse número dobre até 2050.

O problema  é que esses níveis de consumo são simplesmente  insustentáveis, tanto em relação ao meio ambiente, assim como em relação ao bem-estar animal.

O dilema número um, segundo o Slow Food¹, é que o planeta não suportará o impacto ambiental produzido pela indústria da carne. Entre esses impactos estão a alteração climática, consequência da poluição gerada pela emissão de gases de efeito estufa; o desmatamento, para dar lugar a pastagem e monoculturas utilizadas para alimentar os animais; e o desaparecimento de raças menos produtivas em substituição a raças híbridas adaptadas a viverem em confinamento.

Ok, lendo esses dados a gente entende que tem um problemão atrás da alta demanda da carne. Ao mesmo tempo parece que ele está muito distante da nossa mesa de jantar. “Eu não estou causando todos esses problemas! Estou??”

Pois é, parece mentira, mas aquele bife nosso de cada dia contribui para o agravamento do problema. A carne de vaca é a principal vilã, já que o sistema digestivo do bovino é uma das grandes fontes de emissão de metano, potente gás de efeito estufa. Mas se pensarmos em termos de bem-estar animal, o problema se desloca para qualquer tipo de carne de produção intensiva. Galinhas, ovelhas e porcos são igualmente criados em confinamento para alcançarem uma taxa de crescimento maior em menos tempo.

Mas aí vem o ser humano com uma ideia genial e altera geneticamente o animal para que ele seja mais adaptado a viver amontoado! Faz sentindo achar que modificar geneticamente o bicho é menos nefasto que o mantermos sem adapatação em um espaço minúsculo até que esteja pronto para o abate?

Até que ponto podemos colocar nossas vontades e necessidades pessoais acima do bem estar animal?

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Criação de Búfalos no interior do Rio Grande do Norte

FRANGO FELIZ

Faz uns cinco anos, em um vôo com a companhia KLM, que vimos pela primeira vez a bandeira do bem estar animal ser levantada. A refeição servida durante a viagem era feita com frango, frango feliz, segundo dizia a embalagem que eu, Dani, fiz questão de levar pra casa. O invólucro trazia informações sobre a granja que criava o frango colocado no sanduíche que acabávamos de comer a centenas de metros de altitude. Ao que indicava, o frango sacrificado para o nosso sustento viveu em um espaço físico bem maior e em condições mais confortáveis de que nos encontrávamos naquele momento, na classe econômica.

Já no Brasil, peguei a embalagem do sanduíche e acessei o site que infelizmente não me recordo o nome. Chamei o Vinicius para ver comigo. Da nossa casa pudemos ver como os frangos da Holanda passavam felizes os seus dias. Três ou quatro câmeras foram dispostas pela granja para que qualquer um pudesse assistir a rotina das aves que tinham espaço suficiente para viverem bem.

Na época lembro que cheguei a pensar fosse só uma estratégia de marketing, mas depois, vendo a realidade em que viviam os  frangotes, achei a proposta bem interessante.

Anos depois, agora na nossa viagem de volta ao mundo, tivemos o privilégio de ver ao vivo como são criados os frangos em um rancho orgânico e, sim, não se parecem em nada com as cenas do interior de um criadouro de uma grande indústria alimentícia. A alimentação e o tratamento que os bichinhos recebem são completamente distintos. A produção não é tão grande, o crescimento é mais demorado e economicamente não é muito vantajoso para o criador. Em contrapartida, o impacto ambiental é muito menor, o bem-estar animal é respeitado e a qualidade do alimento é indiscutivelmente superior.

Conversa hipócrita de quem come carne? Pode até ser! Mas isso é outra história, um argumento para uma outra conversa, já que do outro lado da balança tem quem defenda – ainda que em pouca quantidade – o consumo da carne.

O fato é que a redução do seu consumo já traria um beneficio global muito importante. A criação dos animais em menor escala é ponto de partida não só para melhorar as condições de vida desses animais, mas para diminuir os efeitos maléficos ao meio ambiente e também para a nossa saúde.

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Presunto, salame, mortadela: consumo de derivados também deve ser diminuído

OS EFEITOS DA CARNE EM NOSSO ORGANISMO

Os estudos divulgados pelo Slow Meat – a campanha internacional do Slow Food dedicada à consciência da produção e consumo de carne, bem como ao bem-estar animal – indicaram que o grande consumo de gordura e proteína animal estão causando uma série de doenças nos países desenvolvidos. O consumo excessivo de carne é associado com a doença cardíaca e certas formas de câncer. Dietas ricas em gorduras saturadas estão ligadas com o início de diabetes tipo 2 e elevados níveis de colesterol.

Além disso, há a preocupação com o uso de antibióticos nos animais, já que eles são rotineiramente vacinados a fim de evitar doenças que são frequentes em espaços confinados. Ao longo do tempo, as bactérias construoem resistência aos antibióticos, tornando-os sem efeito. Tais antibióticos podem ser encontrados no estrume que escoam pelo solo, poluindo rios e lagos. Além disso, antibióticos encontrados na carne que comemos são, em seguida, assimilados por nossos corpos. E por isso fica cada vez mais difícil curarmos uma simples gripe!

UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL

Diante de todos esse fatores nocivos para o planeta, para os animais e para o próprio homem, a campanha Slow Meat se resume ao lema: comer menos carne, de melhor qualidade.

E nesse caminho, o que cada um pode fazer de concreto é prestar mais atenção na hora em que escolher o animal que levamos para casa. Por isso, o movimento nos pergunta:
  • Você tem noção de quanta carne come por semana?
  • Você presta atenção na escolha dos cortes, nos tipos de animais, ou na raça?
  • De onde a carne que você come vem?
  • Você se interessa pela forma como os animais viveram e foram alimentados?

Difícil, não é? A menos que algum escândolo venha a público, como foi o caso da operacão “carne fraca” anos atrás, a gente dificilmente se atenta para o que estamos colocando no carrinho do supermercado. Afinal, já temos que prestar atenção no preço e no prazo de validade!

É fato! No dia-a-dia essas questões são secundárias para a grande parte da população e por isso nossa dica inicial é simples. O primeiro passo para a mudanca está em reduzir o consumo. Isso já terá um grande impacto positivo. O passo seguinte, aí sim com mais informação e consciência, será mudar os hábitos de compra.
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Slow Meat: espaço no evento Terra Madre destinado à conscientização sobre o consumo de carne
Pra quem já está mais adiantado no processo ou para quem quer saber como pode fazer escolhas mais saudáveis, o Slow Food dá algumas dicas na hora de comprar a carne:

[su_box title=”Coma menos carne, de melhor qualidade:” box_color=”#e5e6e4″ title_color=”#090a09″]
Escolha carne local, dando preferência a um criadouro conhecido;

Dê preferência à carne de um açougue ou local especializado no lugar daquela já embalada da prateleira;

Peça maiores informações ao açogueiro, perguntando de onde vem a carne;

Varie o cardápio, escolhendo espécies e raças diferentes;

Aprenda a cozinhar partes diferentes do animal, escolhendo também cortes  menos nobres.[/su_box]

Lendo essas linha e pensando bem, embora nosso consumo de carne tenha aumentado no México, quase sempre seguimos as orientações acima.  A carne sempre vinha de um criador orgânico e conhecido. Vizinho do tio ou tio do vizinho de alguém que conhecíamos.

A melhor carnita que provamos era de porco de rancho orgânico; a barbacoa de Puebla foi feita com carneiro criado solto pelos parentes de Leonel no interior da pequena Dolores Hidalgo; o peru do mole de Oaxaca era alimentado com capim colhido todas as manhãs por Rogélio.

Além disso, nada dos animais foi desperdiçado. Mais que nos outros países pelos quais já passamos, no México se come todas as partes do animal, incluindo cabeça, cérebro, patas e rabo.

Mas se isso não for possível onde você mora, voltamos a tecla inicial: comer menos carne pode parecer inofensivo e insuficiente, mas se  a redução for global, o resultado será grandioso.

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¹ Maiores informações podem ser encontradas em www.slowfood.com/why-cut-down-on-meat/

2 Comentários

    1. Author

      Obrigada você por nos acompanhar!

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