Deixar Cancún não foi fácil, mas era preciso. Idas e vindas fazem parte do nosso projeto. Saímos perto das 8 horas da manhã em sentido a Valladolid, ainda no estado de Yucatán.
No caminho a sirene de uma viatura soou do nosso lado e o policial nos mandou encostar. Sob a alegação de que havíamos cruzado o sinal vermelho, quis nos multar. Não, não passamos o sinal vermelho. Quando o policial disse que teria que nos multar por conta da infração supostamente cometida e pediu para o Vinicius descer do carro, já sabíamos o que ele queria.
Vinicius argumentou com o policial e voltou para o carro enquanto ele disse que preencheria a multa. Meio minuto depois, o agente voltou com a CNH do Vinicius, sem multa, dizendo apenas que era para termos mais cuidado.
Depois da investida do nobre policial que queria tirar uma lasquinha dos brasileiros aqui, nossa viagem foi bem tranquila até Valladolid. Quer dizer, um pedágio no valor de U$15 nos perturbou por breves instantes. Pagar R$50 por um pedágio dá um ruim né? Mas é o tipo de coisa que não temos muito o que fazer, principalmente quando todos nos dizem para não pegarmos vias secundárias no México.
Chegamos em Valladollid por volta das onze horas e logo fomos em busca de Cesar, um peruano que ainda jovem trocou as terras incas pela europa e anos mais tarde voltou ao continente americano para viver num povoado maia.
A razão por ter escolhido o México não tem a ver com a cultura indígena, mas com Lisa, sua esposa. Lisa é austríaca e mesmo depois de mais de trinta anos vivendo no México ainda carrega o espanhol com acento alemão.
Por muitos anos o casal viveu em Isla Mujeres e quando se sentiram engolidos pelo turismo decidiram mudar de ares e colocar um projeto ambicioso em prática: praticar a permacultura e viver uma vida mais simples, em harmonia com a natureza.
Planejaram por um tempo, juntaram suas economias, venderam o pequeno hotel que tinham na ilha e compraram um rancho há doze minutos do centro de Valladoid.
E foi pra lá que Cesar nos levou.
Já passava do meio dia quando lá chegamos. Lisa nos aguardava para preparar Macal de Guia, um tubérculo com cara de inhame, gosto de batata e consistência suculenta como de uma pêra.
O alimento que era muito consumido pelo maias e é endêmico de Yucatán hoje já não é conhecido da gerações mais novas. Um pouco por conta da invasão das comidas ditas mais modernas, com pizzas e hamburgueres, mas um pouco por conta da história.
Cesar e Lisa nos contaram que nos anos 20 uma praga devastou toda a vegetação da península e basicamente só sobraram os tubérculos, que passaram a ser o principal alimento da população. Esse fato faz com que os locais associem o tubérculo a um período difícil, de escassez e por crença de que não lhes traz prosperidade, já não o consomem.
Uma pena realmente, porque o alimento é gostoso, versátil, nutritivo e capaz de saciar a fome de muita gente. Tempos atrás, nos relatou o casal, colheram um macal de dezoito quilos. É tubérculo para alimentar umas vinte pessoas.
O Macal é uma planta exemplar na permacultura porque traz muito retorno sem necessidade de inverter muita energia para cultivá-la. E esse é um dos princípios básicos desse sistema agrícola que é difícil conceituar em uma só frase. Além do macal, a batata voadora, a moringa, o sagu e a semente de ramón atendem igualmente esse critério. Além disso são plantas de excepcional conteúdo nutricional, verdadeiros alimentos medicinais.
Além desses, outras dezenas de alimentos são produzidos no sítio. Uma parte da horta é para consumo, outra é destinada para tirar as sementes e uma terceira serve de experimento. A verdade é que por todo terreno se encontra frutas, folhas, verduras, raízes, sementes, …um mercado natural a céu aberto.Para evitar as pragas, utilizam inseticidas naturais, sprays feitos com sabão neutro e ervas aromáticas, pimenta, alho ou cebola.
Na parte destinada à criação, eles criam dois cavalos apenas para produzirem adubo. Galinhas e patos para terem ovos. Abelhas para o mel.
Todo o adubo utilizado é produzido no rancho, todo alimento dado aos animais é produzido no rancho, 60% do que a família consome vem do rancho.
A água, limpa e cheia de sais minerais, vem do poço; a energia é gerada por painéis solares. Cada passo dado no rancho é pensado na saúde do planeta, dos animais e dos seres humanos de uma forma holística.
A soma de todas essas iniciativas descritas acima – e outras dezenas – é que forma o conceito de cultura permanente, que tem a missão de criar biossistemas eficientes, produtivos e autossustentáveis. Pode parecer complexo, mas não é. É só pensarmos que fazemos parte do planeta e tudo fica claro. Não tirar mais do que inverter, cuidar da terra, da água, dos animais, das pessoas e compartilhar excedentes. Em resumo: não olhar para o próprio umbigo e esquecer o que acontece do lado de fora da janelinha de casa.
Mas voltando ao macal.
Para o almoço, Lisa fez jus à origem do marido e preparou uma causa limenha, o prato famoso da culinária peruana. A semelhança do macal com a batata inglesa impressiona. Era impossível dizer que a causa era feita de macal.
Lisa ainda preparou uma rica salada de cenouras com mamão verde ralado. Ela fez uma mistura de suco de tamarindo, gengibre, molho de soja, limão, pimenta, tomate amassado e açúcar mascavo para temperar a salada, deixando com um toque bem asiático. Ficou uma delícia!!
Para beber, água de flor de jamaica com canela, pra deixar nosso paladar bem aguçado com combinações que ainda não havíamos provado.
Incrível como nossas vidas mudam em poucas horas. Pela manhã estávamos em Cancún, no trânsito intenso da cidade mais efervescente do México. Pela noite, estávamos cercados da natureza, em um racho que respira tranquilidade, ao sons dos pássaros, insetos e rãs.
E assim nossa vida segue, numa montanha russa de novos cheiros, sabores, sons, lugares e pessoas. (Obrigada Universo!)