Ela é famosa no mundo todo, você provavelmente já provou ou viu ela por aí, mas talvez não saiba que a mostarda de Dijon não é mais feita na cidade onde nasceu, nem é necessariamente Francesa!
Nossa passagem pela Borgonha nos revelou algo bem triste. A produção artesanal de mostarda é praticamente inexistente e as grandes indústrias não estão mais em Dijon.
Uma visita ao mercado público de Dijon é uma verdadeira frustração para quem – como eu – ficou imaginando barraquinhas de simpáticas senhoras vendendo mostardas caseiras feitas em Dijon.
Halles Central de Dijon
Mas a decepção não para por aí. Pesquisando sobre o condimento tradicional da cidade de Dijon que eu tanto gosto, descobri que a denominação “mostarda de Dijon” não é protegida e por isso pode ser feita no mundo todo. Ou seja, apesar de ter sido criada na Borgonha e as regras da sua produção sejam regulamentadas pelo governo francês (num Decreto de 1937, posteriormente revogado pelo Decreto 2000), a denominação não está juridicamente protegida e restrita aos produtores franceses.
Aparentemente o Decreto da década de 30 foi criado após um processo judicial envolvendo a disputa da apelação entre fabricantes de mostarda parisienses e dijonenses. O Poder Judiciário francês decidiu que esta nomenclatura não corresponde a uma
apelação de origem, mas sim a um processo de fabricação. A partir daí abriu-se o direito de rotular como “Mostarda de Dijon” qualquer mostarda fabricada
seguindo este modo de produção, não importando seu local de origem.
Para se ter uma mostarda de Dijon, portanto, basta atender as diretrizes do art. 3° do Decreto 2000-658 de 06 de julho de 2000:
O nome “mostarda de Dijon” é reservado à mostarda obtida pela moagem de sementes de mostarda da variedade Brassica nigra ou Brassica juncea, peneiradas ou crocantes, e não desengorduradas;
a quantidade de tegumentos residuais não pode exceder 2% em peso do produto acabado.Além disso, a mostarda de Dijon deve atender aos seguintes requisitos:
– o teor de extrato seco das sementes de mostarda deve ser de pelo menos 22% em peso do produto acabado e o teor de lípidos das sementes de mostarda deve ser de pelo menos 8% em peso do produto acabado;
– deve ser fabricado exclusivamente a partir de um líquido de diluição constituído por um ou mais dos seguintes líquidos, possivelmente com adição de água, desde que a água não exceda três quartos da mistura: vinagres de vinho, álcool e cidra; suco de uva verde; suco de uva e mosto; vinhos;
– pode conter preparados aromatizantes e substâncias aromatizantes naturais, com exceção dos aromatizantes de mostarda, em especial que contêm isotiocianato de alilo; é proibida a incorporação de qualquer outro sabor;
– é proibida a adição de cascas de sementes e farinhas de cereais”
Resumindo, a “mostarda de Dijon” é hoje uma receita mais do que um produto associado a um terroir. As sementes usadas podem ser cultivadas em qualquer lugar do mundo. Para se ter uma ideia, segundo várias publicações francesas (e por aqui não parece ser segredo ou novidade para ninguém), 80% das sementes usadas para fazer mostarda Dijon na França são cultivadas no Canadá.
Para quem quiser provar mostarda 100% francesa há uma única saída. Desde 2009 é possível encontrar a “Moutarde de Bourgogne”, a mostarda com indicação geográfica protegida (IGP), que garante que a produção de sementes de mostarda e vinho branco, assim como a sua transformação ocorre na Borgonha.
Esse vidro com 210 gramas de mostarda da Borgonha IGP da marca nacional Edmond Fallot custou €2,90 no Halles da cidade, o mesmo preço pedido pelas mostardas de Dijon da mesma marca. Vale a pena provar!
(Detalhe, o vidrinho da “Moutarde de Bourgogne” estava escondido, não estava exposto como as mostardas de Dijon que são famosas e conhecidas dos turistas).
E que sabor tem a Mostarda de Dijon?
Se você chegou até aqui porque nunca provou uma mostarda do tipo francesa, mas tem curiosidade para saber que gosto tem, aí vai um conselho. Pegue leve na primeira vez! Ela é bem mais forte que as brasileiras, americanas…E se exagerar na quantidade vai sentir a ardência subindo pelas vias nasais!
Isso porque, como vimos, as francesas são feitas com a semente inteira da mostarda, enquanto que as demais usam a mostarda em pó. Com o tempo a picância da mostarda forte acostuma e vicia. O sabor, esse nunca decepciona, seja de uma mostarda autêntica francesa ou de uma legítima Dijon forasteira.