Dia 77 – 17 de novembro – Sexta-Feira: O que faz um Chocolatier na Amazônia?

Cesar de Mendes é um dos maiores especialistas sobre chocolate do Brasil (se não o maior; se não do mundo!)

Com a mudança de planos nos demos ao luxo de dormir um pouquinho mais. Acordamos quase oito horas e fomos tomar o café do hotel (que de regional só servia um bolinho feito de tapioca).

Reservamos o dia para conhecer os chocolates De Mendes, feitos com cacau nativo da Amazônia, que ficamos conhecendo através do Chef Paulo Anijar na noite anterior.

Quando entramos em contato com De Mendes, mal podíamos prever como seria nosso dia. Lemos algumas reportagens sobre ele e seu chocolate, o que despertou nosso interesse em conhecer sua história, mas só pessoalmente tivemos a real noção de quem é César De Mendes.

Por um acaso ele estava em Belém, mas sua casa e sua fábrica ficam no Povoado de Chicano, na cidade de Santa Bárbara do Pará, a uma hora e meia da capital. E assim fomos juntos até lá.

Judeu, português, paraense. Engenheiro químico, professor, palestrante, chocolatier. Estudioso, curioso, desbravador. Tudo junto. E misturado. O Indiana Jones do cacau – como ficou conhecido – é falante, empolgado e tinha muita história pra contar.

Chegamos no povoado passava um pouco do meio dia. De Mendes nos convidou para almoçar no Empório Chicano, um espaço comunitário onde desenvolvem atividades para as crianças e mulheres do vilarejo.

César De Mendes
                                                                        Espaço comunitário Empório Chicano

Ali também é possível provar da culinária regional preparada por Marli, que entre defumar embutidos e ajudar na fábrica de chocolates, comanda a cozinha do espaço aos que ali vivem e aos que querem conhecer o lugar (se você estiver passando por lá, ligue antes ou reserve pelo facebook – https://www.facebook.com/emporiochicano/).

Pra gente, Marli serviu palmito de pupunha e hortaliças orgânicas fresquinhas compradas na hora por De Mendes de um produtor local.

César De Mendes
                                            Bolinho de biomassa de banana com molho temperado de chocolate

Preparou também um bolinho de biomassa de banana com macaxeira acompanhada de um molho especial a base de chocolate! Isso mesmo, chocolate. Era uma pequena amostra do que viríamos mais tarde. Como prato principal Marli fez um delicioso peixe, o pintado, ao molho de maracujá.

Fazia muito calor e a alta umidade nos fazia lembrar que estávamos na pontinha da gigantesca Floresta Amazônica, o quintal da casa de De Mendes.

E do quintal ele cuida, ele conhece, ele entende. Foi ele que nos apresentou uma árvore de taperebá (aquela do suco do mercado Ver-o-Peso) e também um pé de cupuaçu (e os efeitos devastadores da vassoura de bruxa). Foi ele quem nos levou até um igarapé para nos refrescarmos do calor nas suas águas geladas.

Mas foi em meio aos pés de cacau do CEPLAC e no interior da sua fabriqueta que ele nos deu uma verdadeira aula sobre o Cacau, a Amazônia e o Chocolate. Unindo teoria, prática, ciência e paixão, De Mendes vivencia o chocolate o tempo todo, seja em meio à floresta, para descobrir uma nova variedade, seja na transformação do cacau nativo em barras “de ouro”, seja nos livros e nas pesquisas que faz constantemente.

César De Mendes
                                       De Mendes aos pés do cacaueiro nos explicando sobre o Cacau Maranhão

Entre nos contar sobre os seus dias em meio à Amazônia em busca do tesouro (no caso, o cacau) perdido, e como faz para dormir no meio da floresta sem qualquer apetrecho tecnológico (nem mesmo uma rede), explicou que a essência do seu trabalho está em valorizar e respeitar a população que vive nessas regiões remotas e que serão os responsáveis pela colheita do fruto que será a base para a produção do seu chocolate.

O mesmo respeito e valorização é conferida ao pessoal da comunidade que trabalha na fábrica, numa espécie de cooperativismo. E nem poderia ser diferente. De Mendes nos contou que ali na região de Chicano as pessoas se ajudam mutuamente num movimento natural, como numa família (que se dá bem, obviamente). Exemplificou contando que quando a mulher fica viúva, as outras mulheres se organizam e cuidam da viúva enlutada, lavando, limpando e cozinhado para ela por três meses.

César De Mendes
                                           Onde o cacau é transformado no mais emblemático chocolate da Amazônia

E nessa “participação solidária” vivenciada no interior da pequena fábrica De Mendes, transforma o cacau selvagem no mais delicioso chocolate. Depois de conhecer um pouco do processo de fabricação, pudemos provar as cinco variedades produzidas e vendidas comercialmente. (Assista à degustação clicando AQUI!)

César De Mendes
           As amêndoas do cacau já torradas e partidas para análise de qualidade ao lado dos deliciosos chocolates De Mendes
César De Mendes
     De Mendes: O Chocolatier da Amazônia

Ao leite de búfala, com 47% de cacau; 63% de cacau varietal Maranhão, 65% de cacau varietal de Jari; 72% de cacau Maranhão (colhidos exclusivamente por mulheres) e o recém embalado 78% de cacau Maranhão, lançado ao mercado consumidor nessa última quinzena de novembro.

Apesar do percentual de cacau ser aproximado entre as variedades, é possível identificar sabores diferentes em cada um deles, tudo graças a uma complexa junção de fatores que caracterizam cada biota de onde é extraído o fruto que cresceu e se desenvolveu por força exclusiva da natureza.

Toda essa riqueza de detalhes e sabores já foram parar na cozinha de renomados chefs brasileiros e em palestras e feiras em Milão, Paris e Moscou. Aqui no Brasil é possível encontrar o produto à venda no Santa Luzia, em São Paulo e, em breve, no Eataly. Pela internet é possível encontrar também.

Depois de uma tarde inteira na companhia de César de Mendes, a aula havia se transformado em lição. O segredo do sucesso? Talvez podemos arriscar uma receita: fazer o que se gosta, dar o seu melhor, ajudar o próximo, manter a simplicidade, continuar estudando, se aprimorando, aprendendo e compartilhar o conhecimento.

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