Sábado é dia de bater perna na cidade, é dia de tomar vitamina D passeando no calçadão, é dia de fazer compras no Mercado de La Tierra (organizado pelo Movimento Slow Food). Ao menos esse é o programada de sábado de manhã dos yucatecos que vivem em Mérida e que buscam por alimentação saudável.
Todos os sábados, das 8 às 13h, 57 produtores e agricultores levam seus produtos naturais à venda. Lá é possível encontrar mel, quejo, pão, granolas, geleias, biscoitos, conservas, farinhas, grãos, azeites, ovos, iogurtes além de verduras, legumes, dentre outras coisas.
Foi pra lá que nos dirigimos logo cedo, por volta das oito e meia quando o pessoal ainda ajeitava suas barraquinhas e as pessoas começavam a chegar. Impossível não notar a grande presença de europeus no mercado, tanto do lado dos expositores como dos consumidores.
Poderia ser uma feirinha qualquer, mas havia um grande diferencial: a bandeira Slow Food. Ou seja, os expositores só vendem alimentos sanos, bons e justos. Parece propaganda enganosa né? Mas não é. A reunião desses conceitos foi idealizado pelo italiano Carlo Petrini na década de oitenta e a cada dia ganha mais adeptos. A ideia é que cada vez mais possamos encontrar produtos saudáveis, gostosos, de boa qualidade e vendido a um preço justo para quem produz e para quem compra.
No Mercado de La Tierra três produtores possuem a certificação de produto orgânico (a certificação é um documento emitido por entidade competente que atesta ser verdadeiramente orgânico). Os demais produzem da forma mais natural possível e ainda que não tenham o certificado, muitos deles são orgânicos e devem respeitar algumas regras exigidas a todos os expositores do mercado. Cada produtor deve atender às diretrizes do seu segmento. Os pães, por exemplos, não poder conter propionato de sódio, corantes artificiais ou gordura vegetal hidrogenada. Os ovos devem ser galinhas criadas soltas, não modificadas geneticamente, alimentadas apenas com vegetais ou insetos, etc. Sim, a coisa é séria!
Provamos amostras de vários produtos e de fato, toda as exigências resultam em qualidade indiscutivelmente superior. Destaque para o pesto de culantro, para o tamale de espinafre e queijo de cabra, para o pão concha feito com anis pelo chef Alex e a maionese de alho sem conservantes químicos feitos por Sally.
Destaque ainda para as massas e molhos artesanais feitos pelo italianos Claudia Vezzali e Francesco Podestá. Mas já não estávamos mais no Mercado de La Tierra (onde o casal participou por oito anos), mas no Bollicine, o restaurante da família italiana que deixou Roma para viver os encantos da América.
Conhecemos o casal já mais a noitinha, quando o Bollicine abria suas portas ao público.
Antes disso, ao meio dia, decidimos ir mais a fundo no mundo gastronômico dessa região do México. Primeiro fomos almoçar em um restaurante mexicano nada tradicional. Era um estabelecimento moderno, cheio de televisores e decoração a la americana. A ideia era provamos um prato típico na versão contemporânea e não nos decepcionamos.
Pedimos um combinado yucateco. Vinha um pouco de cada preparação mais tradicional da região: cochinita pibil, pop chuc, longaniza de Valladolid, tudo acompanhado da boa e velha tortilha. Ponto negativo para a água de limão com chaya que já vinha (muito) adoçada.
Depois de uma refeição reforçada, fomos a um Walmart para conhecermos agora o outro lado da alimentação dos yucatecos. E o que constatamos é no mínimo curioso. Num estabelecimento de cerca de 10.000m² apenas um terço de uma única prateleira era destinada a produtos naturais. Não oferecem mais porque não vendem, ou não vendem porque não oferecem mais?
Fato é que ainda estamos engatinhando (ou reaprendendo a andar) nessa cultura de alimentos saudáveis. Ao menos aqui na América. E quem tem nos estendido a mão nessa caminhada são os europeus. Ingleses na Colômbia, italianos no Panamá, franceses na Costa Rica, alemães na Nicarágua, austríacos no México, são só alguns exemplos que temos encontrado no caminho.
O casal Claudia e Francesco é mais um desses estrangeiros que buscaram um lar na América e em contrapartida trouxeram na mala boas práticas alimentares. Há mais de 25 anos morando no México, os italianos mantém as tradições do seu país preparando a própria massa, fresca, seca e recheada. Inclusive integrais e de farinha de milho. Também fazem os molhos de tomate e o queijo ricota utilizado nas preparações.
Claudia faz parte da Aliança de Cozinheiros do Slow Food e segue, portanto, suas diretrizes. Procura utilizar somente produtos locais e buscar encontrar substitutos aos produtos que só se encontram na Itália, com uma pequena exceção: o mascarpone. Sem ele o tiramisu não fica igual. A consistência e o sabor do verdadeiro mascarpone ainda não encontrou suplente a altura (será que há em alguma parte do mundo?).
O sabor do tiramissu estava perfeito. Café na medida, cremosidade e sabor em cada garfada. Mas ainda não foi nesse dia que aprendemos a fazer a sobremesa de café italiana.
Cláudia nos levou até sua pequena cozinha e ali mostrou como monta o ravioli ou cappeleti, como nós costumamos chamar em casa. Ela não nos passou nem a receita da massa, nem a do recheio, que já os tinham prontos só para montar. Na forma como Cláudia nos falou, achou que a preparação era muito simples e sem mistérios, quase desinteressante, como se fazer uma boa massa tivesse no DNA de qualquer pessoa. Coisa de italiana, não é mesmo?
Assim nos contou despretensiosamente que a massa era pura farinha, ovos e sal e que o recheio era feito de uma mistura de carne de porco e frango cozidas e bem processadas, formando uma massa bem úmida. O molho ela preparou na nossa frente e foi super simples e muito gostoso. Manteiga, creme de leite, sal e pimenta. E só. Sobre o molho branco, presunto serrano picado e queijo parmesão.
Poucos ingredientes, dedicação na hora de fazer a massa e montagem simples. O toque de noz moscada no recheio e o sabor do presunto cru é que trouxeram toda a graça para o prato. E, de verdade, não precisava de mais nada. É claro que uma taça de vinho tinto transforma o que está bom em excelente, não é mesmo?
E assim estava. Excelente!
Depois do jantar, aproveitamos que estávamos no centro de Mérida, na avenida mais bonita da cidade, para caminharmos um pouco e desfrutarmos da noite do sábado como faziam os locais.
A poucos passos estava a praça onde haviam shows de música típica e danças folclóricas. E onde há gente, há comida! Mais uma oportunidade para ver o costume alimentar popular local.
Barraquinhas vendiam tacos, milho cozido, churros e marquesitas, o doce feito de crepe bem fininho enrolado e recheado com queijo de bola. A versão mais moderna ainda levava Nutella. Sim, deu água na boca, mas já não conseguíamos comer mais nada. Foi com um suco de tamarindo que encerramos a noite, agradecendo por mais um dia de muito aprendizado e de muitos sabores.